sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Divina Comédia

Será que há melhores presentes do que aqueles que recebemos nas horas em que mais necessitamos e menos esperamos? Acho que não. Nos últimos tempos eu tenho recebido muitas coisas, mas notei que isso só acontece porque estou disposto e livre para receber. Um grande sábio outrora disse que “é preciso ter para dar”. Concordo plenamente com ele. Por muito tempo eu tentei oferecer aos outros tudo aquilo que julgava que pudessem necessitar, porém não havia ainda percebido que eu, mesmo ganhando muito, não acolhia aquilo que me era dado. Alguns dias atrás recebi muitas coisas, dentre elas, uma xícara de chá, um poema e um caderno. Tesouros e logo você entenderá porque.

Não é segredo que há algum tempo passei por provações e, sinceramente, creio ter, senão chegado até lá, pelo menos me aproximado do Inferno. Dante descreve os portais daquele lugar e diz que neles lê-se “Deixai toda esperança, vós que entrais”. O Inferno, como julgo tê-lo conhecido, é justamente o abandono da esperança. Quando lá estamos somos surdos, pois não há mais nenhuma palavra ou som que faça alguma diferença, somos cegos, pois não há sequer uma imagem, terrível ou magnífica, que possa nos tocar e somos vazios, pois não há qualquer sentimento, bom ou mau, para o qual sejamos capazes de dar atenção.

Pode parecer contraditório, mas para sair desse estado de letargia em que nada importa, o que mais precisamos é da dor. Somente ela será capaz de nos fazer sentir algo novamente e despertar para o desespero: tanto aquele que conduz à loucura como o que leva à fuga desse estado. Confesso que estive à beira da loucura quando a dor chegou. Entretanto, eu compreendi que precisava também receber, além de dar, para poder ascender. E como foi bom tomar minha liberdade! Uma liberdade que talvez não me tenha sido roubada, mas talvez nunca tenha, de fato, me pertencido.

O caminho para “subir” não foi fácil, mas imagino que nunca deva ser. Você passa tanto tempo no escuro que, quando vê a luz, precisa desviar o olhar por um tempo. De lá pra cá, percebi que nunca havia me doado por completo, pois aquele Max que se apresentava às pessoas não era o Max em sua essência, mas apenas um fragmento, uma pequena parte do todo que eu poderia significar para alguém. Claro que ninguém pode nos conhecer por completo, nem nós mesmos, porém é muito mais fácil conhecer alguém que já tentou se observar e, além de se assumir, tem orgulho de ser quem é.

Percebi que também não podia viver só para fazer os outros felizes e que, de algum modo, precisava sim da felicidade deles para também ser feliz. Compreendi que só pode existir caridade quando aquele que oferta também é livre para receber. Vizualize essa cena: as mesmas mãos se abrem para dar e para receber e, como todo mundo sabe, só podemos fazer essa troca, se estivermos com as mãos livres!

Então, quando chegamos ao Paraíso, somos livres para dar e receber na mesma proporção. E como eu aprendi nesse percurso todo! Continuo aprendendo, na verdade e cada nova descoberta me surpreende, pois são sempre coisas simples que, se olhássemos de verdade, saltariam às vistas, mas que ignoramos até que sejamos obrigados a olhar para elas. Toda visão nova de algo que era tão velho conhecido, é infinitamente bela e comovente.

Assim aconteceu que uns dias atrás estava na Avenida Paulista (um lugar que já tem inúmeras histórias comoventes para mim, mas que preciso de outras cartas para contar) para encontrar uma amiga e qual não foi minha surpresa quando, na fila da cafeteria, encontramos nossas outras amigas em comum, pessoas que para mim são uma família. Aquele presente me comoveu, um presente do acaso. Na cafeteria, meu “capuccino com chocolate duplo” estava delicioso e já estava muito feliz por toda a situação, mas ainda havia mais: minha amiga entregou-me um caderno e uma xícara de chá. Imediatamente me imaginei sentado na minha poltrona, com a xícara numa mão, o caderno no colo e o lápis na outra: escrevendo e apreciando um bom chá! O que mais iria desejar?

Agradeci muito por aquela tarde. Tinha muitas coisas para fazer, coisas importantes para mim, então, mesmo desejando fazer-lhes companhia, não pude ficar muito tempo com elas, mas as duas horas que permanecemos juntos serão sempre lembradas. Ah! O caderno tinha um poema nas primeiras páginas, de autoria da amiga que o deu. O poema era para me lembrar que nunca devo deixar de ser como uma criança. Poderia responder simplesmente dizendo “Não, a criança não morre enquanto eu for livre e conservar a esperança.”

Talvez tenha chegado o tempo de amar...

Max

3 bilhetes em resposta, escreva o seu!

Renata disse...

Uma carta para mim? rs...
Muito obrigada por ter dado importância àquilo que é mais importante mesmo.
Depois eu quero a explicação clara dessa história!

Bju

Unknown disse...

Cara, acabei metendo o bedelho aqui por causa que teu post apareceu no facebook. Não sabia que você mandava tão bem escrevendo!

Teu texto me lembrou um livro do Herman Hesse (Siddhartha), que é sensacional! Fala bem dessa libertação.

Acho que a melhor coisa da vida é poder desfrutar das coisas simples que ela tem a oferecer. =D

Abração

Someone disse...

Oi max... me explica, por favor, como é sair do lugar em que temos de deixar toda esperança ao entrar? Pq eu não sei sse consigo fazer o mesmo.... beijos!!