domingo, 29 de julho de 2012

Manhã vazia

Acordei com vontade de chorar, mas as lágrimas não vieram. Sentado na cama, senti como se tivessem me arrancado o coração e deixado aberto aquele espaço oco, aquele vácuo, aquele vazio. Vazio que deixa sem ar, naquela agonia ardente e sem dor. Começo a sorrir, aquele sorriso.

Ontem compensou todos os ontens anteriores. E hoje eu acordo com aquela sensação de que não vai haver nenhuma outra noite improvisada, harmoniosa e fantástica como a de ontem. Que tudo aquilo que o sono satisfeito deixou pra trás ficou no passado e não vai poder ser revivido. A sensação da lembrança mais bela e eternamente única: a verdade é que não dá pra repetir nenhum ontem e é por isso que hoje amanhece tão vazio.

Não é uma gargalhada, nem uma risada, é um sorriso, é o sorriso. Precioso, completo, verdadeiramente verdadeiro. Não tem como explicar essas coisas, até queria, mas não sou poeta pra falar palavras pra coisas silenciosas, pra coisas assim, eu só tenho aquele sorriso.

O vazio não tem barreiras, não tem incertezas nem preocupações. A gente pode tudo no vazio. Nessa hora, a gente mesmo é tudo porque o nada não tem limites. Aquele lugar é o melhor momento do dia porque fica fora do tempo que a gente conta. O vazio é um milagre que a gente testemunha todo dia, quando acorda.

Do que mais eu preciso, além desse sorriso? Sabe, agora as lágrimas vieram...

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Barquinhos de Gelo e Fogo


Ouvi uma lenda sobre pequenos barquinhos mágicos correndo pelo rio da vida. Leves, velozes e sorrateiros, eles são enviados pelo Destino e vem para nos levarem aonde realmente desejamos ir. Segundo a lenda, cada pessoa só verá passar três deles e, dado que uma vez em movimento eles nunca podem ser parados, para conseguir embarcar precisamos estar preparados para saltar quando os avistarmos. Muito embora eu não acredite na lenda, talvez não haja no mundo mágica mais verdadeira.
O domingo extremamente frio da última semana veio acompanhado de um adeus. Não foi o adeus de alguém que eu tenha conhecido, nem de alguém por quem eu nutria algum sentimento ou admiração, foi o adeus de um estranho. Mesmo assim, a tristeza ao meu redor trouxe à tona memórias saudosas daqueles amados que partiram. Enquanto as nuvens cinzentas e a chuva fina esfriavam mais o dia do lado de fora, a melancolia fazia gelar o coração: apesar de tudo, temos que continuar. Desapego é o nome do primeiro barquinho.
Desapego é feito de gelo, o mesmo gelo da neve das montanhas do inverno. É frio e melancólico, mas pode tornar qualquer cenário absolutamente fantástico. É um barco muito pequeno, por isso para poder saltar dentro dele precisamos abandonar todas as cargas inúteis que tenhamos acumulado pela jornada. O gelo é efêmero, portanto Desapego não pode nos levar muito longe. Seu destino final serão os domínios da Solidão e é lá que podemos nos reencontrar com nós mesmos antes de seguir viagem.
A mudança nunca é fácil, seja lá para quem for. É impressionante como a gente muitas vezes se prende a situações desagradáveis e dolorosas só por não ter coragem de mudar. Pessoas muito queridas têm tomado decisões difíceis nos últimos tempos e o mundo precisa de pessoas assim. É muito mais fácil ter o conformismo com um mundo longe do ideal do que sustentar o ideal para mudá-lo. Com um passo de cada vez se vai longe, como tenho me esforçado para lembrar sempre. Primeiro arrumar o quarto, depois aprender a dançar e por fim, mudar o mundo. O segundo barquinho chama-se Ousadia.
Muitas vezes os homens verão com assombro a passagem do segundo barco, pois a intensidade do brilho do fogo do qual ele é feito será fascinante e ao mesmo tempo aterradora. O calor habita nessa embarcação e ela traz todo o conforto assim como as areias brancas das mais belas praias. Haverá nele a força tanto para destruir como para moldar os mais diversos obstáculos do caminho tornando o percurso à frente mais suave. Não há leme que o conduza se o próprio barco e seu comandante não se tornarem um só e isso torna cada uma de suas viagens uma aventura perigosa. Somente o ardor de Ousadia conduzirá pelos domínios da Ação e fará da busca pela felicidade um encontro real.
O terceiro barquinho é o mais misterioso de todos. Ele não pode ser visto nem ouvido, apenas sentido. Talvez seja esse o motivo de praticamente ninguém conseguir saltar sobre ele quando está de passagem: a maior parte das pessoas só tem olhos pra ver e ouvidos pra ouvir. Esse barquinho não tem nome porque até hoje nem sábio nem poeta puderam encontrar palavra suficientemente adequada para descrevê-lo. Dentre os três, ainda quem sem imagem, é o mais belo e ainda que sem forma, é o mais acolhedor. Cada uma de suas viagens é diferente, pois cada pessoa é diferente em suas jornadas. Ele pode chegar a qualquer domínio, mas há uma condição: somente será seu ocupante aquele que conhecer os domínios da Solidão e da Ação tendo embarcado no Desapego e no Ousadia. Certamente que essa pode ser a viagem mais interessante de todas.
Ainda assim, como disse no começo, não acredito na lenda. Não pelo absurdo de um barco de gelo, outro de fogo e um terceiro barco completamente etéreo. Nem é pelos domínios míticos através dos quais eles navegam que eu não acredito. Eu não acredito na lenda simplesmente porque, outro dia mesmo, tendo perdido todos os outros três, peguei um quarto barquinho. Qual a credibilidade de uma lenda se eles nem sabem ao certo quantos barquinhos são?

Max

sábado, 7 de julho de 2012

O Sorriso da Liberdade

Encontrava-me entre lobos ferozes,
Vagava pela vida como cego.
Acorrentado ao som daquelas vozes,
Entregava-me inteiramente ao ego.

Não conhecia luz nem liberdade,
Mas dos grilhões o destino era a espada,
Pois cavaleiros servos da Verdade
Livraram-me em jornada inusitada

Então, tal como o Sol, tal como a Lua,
Sincero, irresistível, poderoso,
Curou-me teu sorriso milagroso.

Alcançou-me a Verdade bela e nua,
E os dias plenitude me trarão,
Pois vivo a cada instante essa paixão.

domingo, 1 de julho de 2012

Procura-se residência


Liguei a televisão ainda há pouco e vi alguns minutos de um filme que já estava pela metade. Não gosto muito de ver filmes pela metade, por isso deixei pra assistir em outra oportunidade. Filme famoso, no entanto nunca tive curiosidade suficiente para correr atrás até agora. Nos cinco minutos em que a TV permaneceu ligada, um curto diálogo me chamou atenção: uma mulher tibetana e um alpinista europeu compararam o conceito de grandiosidade para seus povos. Para ele, a glória consiste em estar no topo, acima de todos os homens, custe o que custar. Para ela, a glória, o ápice, é o abandono do ego.
Na vida cotidiana eu mesmo venho tendo dificuldade para seguir meu próprio conselho: um passo de cada vez. É muito difícil não ficar tentado a prestar mais atenção ao topo da escada do que ao próximo degrau. A consequência é óbvia até mesmo para uma criança aprendendo a subir escadas: corremos o risco de tropeçar ainda muito longe de onde queríamos chegar. Pular degraus? Bom, acho que essa é uma aventura que já custou belos machucados para todos quando crianças... Pra quê tanta pressa? A maioria não percebe que, enquanto passa correndo pela vida, deixa passar, incógnitos, verdadeiros mestres aos quais bastaria um pouco de cortesia para que nos deixassem conhecer os segredos da existência.
Tenho procurado, incessantemente, o meu canto, o meu lugar. Ainda não sei onde é, mas sei que não é onde estou. Preciso de um lugar com uma bela vista do mundo ao meu redor, como aquela que um sábio pode te mostrar da laje de algum prédio. Faço questão que seja silencioso o suficiente para que eu consiga ouvir meus pensamentos e meu coração. Não precisa ser grande porque se a gente prima pela leveza, não vai mesmo carregar muita coisa do passado além daquilo que é útil e essencial no presente.
Aconchegante, receptivo, acolhedor. Três características importantes de um lugar que eu desejo compartilhar com alguém. Seja para um filme com pipoca, uma pausa no meio da tarde, um jantar romântico ou um chá surpreendentemente filosófico e revelador. Meu canto é onde eu me sinto bem e, por isso mesmo, é um lugar no qual meus convidados se sentem bem. A decoração é minimalista porque não é preciso ter muito, desde que se tenha o suficiente para compartilhar.
Uma vizinhança, pouco importa se grande ou pequena, mas uma que saiba sorrir com sinceridade. Não custa lembrar que vizinhança nenhuma tem qualquer obrigação para comigo, então é importante ter sempre em mente que não posso esperar nada dos vizinhos além do que a gentileza deles esteja disposta a ofertar. Bons vizinhos, na maior parte das vezes, são bons vizinhos simplesmente porque nós mesmos estivemos dispostos a confiar neles.
Pode parecer uma morada muito utópica, mas acho que é essa vida que eu quero chamar de lar, onde quer que eu esteja. Um último ponto importante: a vista pro mar não é essencial, mas é altamente desejável.
Corretores de imóveis não precisam entrar em contato. Grato,
Max