sábado, 7 de abril de 2012

A barca do céu


Estive distante, é verdade. Escolhi a estrada para poucos. Minha estrada é só para os ciganos, para os loucos, para os nômades de alma que não receiam perder aquilo que nunca possuíram. Talvez, por aí, já tenham se esquecido de mim, talvez aqueles amigos já não me reconheçam mais ou, surpresos demais com meus movimentos, prefiram fingir que não me conhecem. Prefiro assim. Aguardei esse tempo por toda a minha vida, agora que estou aqui, já não tenho mais paciência com os que não conhecem o preço da liberdade. Essa independência me foi tão custosa que não posso mais aceitar as lamentações daqueles de sofrimentos auto infringidos, aqueles que vivem, por sua livre escolha, nas masmorras do sono sem sonhos. Prefiro mais, preciso de mais: se a vida tem de ser em preto e branco, meus sonhos vão ser em cores.
Acabo de lembrar de ter escrito algo sobre a vista de um caminho para o topo de um monte, que eu via da janela do meu quarto. Olhando agora, já não vejo mais o caminho: estão construindo um prédio que bloqueia a vista. A montanha continua lá, atrás da névoa de poluição da cidade. Eu me pergunto: no futuro, quando o próximo garoto que morar aqui olhar por essa janela, será que ele vai pensar sobre como chegar ao topo da montanha? Ou será que ele vai considerar a missão absurda já que não consegue antever o caminho? Percebi que a preguiça é consequência do comodismo da vida em duas cores. Se não conseguirmos ver além do preto ou do branco, não há mesmo motivo para grandes empreitadas.
Já não lembrava como é bom sentir que os esforços são realmente recompensados, já não tinha vontade de lutar porque já não acreditava mais na possibilidade de vitória. De fato, tenho aprendido que há ainda mais esperanças nos revezes da vida do que aquelas que encontramos nas sucessões de alegrias. Em nenhum momento disseram que seria fácil, mas se não disseram que seria impossível, então já existe razão mais que suficiente para tentar. Quem consegue enxergar isso, garanto, já está bem além da dormência que domina o mundo. No mar dos devaneios, o maior problema dos capitães dos sonhos são as pessoas vazias de perspectivas que se colocam como rochedos, bancos de areia ou obstáculos às embarcações. Não obstante, se meu navio não conseguir prosseguir por sobre as águas, então eu lhe farei asas para que paire por sobre as nuvens, mais alto que os limites do horizonte. Ali sim, com o nascente às minhas costas, em direção ao ocaso da vida, eu posso admirar as maravilhas de todo o vasto mundo.
É assim que vou seguindo, enfrentando demônios ocultos nos despachos das encruzilhadas da vida. Se eles me sorriem, percebo que os reconheço, pois fui eu quem, há muito, os criou e alimentou com dúvidas e desassossegos. Então, como a velhos amigos, os saúdo com um aceno cordial e sigo em frente, sem me preocupar demais com as formas abomináveis que acabo de deixar pra trás: medo mesmo, eu tenho é do sono mudo e vazio...
Vou lá, sonhar acordado. Bons sonhos pra você! Até breve,

Max