domingo, 27 de março de 2011

Sobre pássaros e espelhos

Esta foi uma semana incrivelmente turbulenta: tive uma quantidade razoável de problemas para resolver, decisões difíceis para tomar, compromissos para cumprir, coisas para estudar... Felizmente, também tive alguns bons momentos de descontração, diversão e reflexão, situações que podem parecer banais, mas que na realidade foram essenciais para não enlouquecer com toda a agitação. Hoje, depois de dormir bem, mas ainda me sentindo exausto, resolvi escrever para relaxar um pouco, pensar e compartilhar alguns aprendizados desses dias de tumulto.
Muito embora a vizinha tenha dito que guardar espelhos quebrados traz azar para a casa, o único pedaço grande daquele espelho que quebrou no meu quarto no ano passado acabou ficando largado numa caixa de papelão, com uma parte encostando-se à parede do quintal. Já há algum tempo, um fato curioso ocorre: um pica-pau pousa sobre a borda da caixa e, vendo seu reflexo no espelho, insiste em bicar o espelho por algum tempo. Não entendo de pássaros, não sei nada sobre o comportamento dos pica-paus, seus hábitos e meios de vida. Assim, não posso fazer qualquer afirmação sobre qual seu objetivo ao ficar bicando aquele reflexo, porém, quando as certezas não são possíveis, sobra mais espaço para a imaginação...
Tive conversas com muitas pessoas esta semana e observei vários tipos de pássaros bicando reflexos. Podemos imaginar que o pica-pau bica o espelho porque espera alcançar aquele outro de sua espécie do lado de lá, com exatamente as mesmas características que ele, que age imitando seus atos, que pode completá-lo perfeitamente, que não é mais bonito nem mais feio do que ele, que sempre está ali quando ele quer e vai embora assim que ele vira as costas. Sabemos, no entanto, que esse pica-pau nunca vai alcançar aquele outro, pois o outro só existe nele mesmo. Ninguém pode ser feliz buscando a si mesmo nos outros.
O pica-pau pode estar atacando, furioso, aquela imagem irritante diante de si. Quem sabe ele bica o reflexo no espelho simplesmente porque não suporta ver no outro os defeitos que não reconhece em si próprio. Busca então aniquilá-lo o mais rápido possível. Esse pássaro deixa de buscar seu sustento e perde muito tempo tentando destruir o reflexo, desperdiça o dom de voar, livre, pelo céu. Não sabemos exatamente o que acontece se ele finalmente quebrar o espelho, é provável que se machuque, mas certamente ele perderá a oportunidade de se tornar um ser melhor.
Se eu fosse um pica-pau, o que será que me bastaria para viver feliz? Ora, acho que alimento, alguma companhia, um ninho seguro dentro de uma árvore e a beleza do mundo a minha volta já seriam suficientes! Talvez, quando bica o espelho, o pica-pau esteja desesperadamente buscando por felicidade, por um mundo fascinante que ele acha que ainda não conhece. No entanto, sua passagem é sempre impedida por aquele outro pica-pau que se coloca justamente na sua frente, impedindo que ele avance em direção a sua realização. Pobre pássaro que ainda não percebeu que o mundo em que ele almeja ser feliz não é outro senão o que já o cerca e que o único que impede que ele alcance esse mundo é ele próprio.
Ainda há inúmeros motivos pelos quais o pica-pau pode querer bicar o espelho de tal modo que descrevê-los a exaustão não seria suficiente, por isso acho melhor parar por aqui. O pedaço de espelho terá de sair dali nos próximos dias por motivos que não cabem explicar agora. O pica-pau vai até o espelho quase todas as manhãs, então eu me pergunto: o que ele vai fazer quando não encontrá-lo mais ali? Uma questão interessante para se imaginar...

Max