sábado, 31 de dezembro de 2011

Ensaio sobre dor de dente.


A última semana foi bem diferente. Acordei numa madrugada sentindo muita dor, dor de dente. Meu dente siso se indispôs com a minha gengiva e a coisa ficou bem chata. Felizmente, essa semana foi estranhamente boa e hoje a chuva cai lá fora com a promessa de um novo ano tranquilo e mágico.
Acho que hoje todos gostariam de ter um vislumbre do futuro, de saber o que vai ser de amanhã em diante, mas sabe, a conclusão a qual eu estou chegando hoje é que não importa se aqui, em São Paulo, chove uma chuva fria e fina, se no Espírito Santo, em Vitória, faz um dia lindo ou mesmo se em Hamburgo, na Alemanha, neva de leve, o que realmente importa é o que a gente faz com os nossos dias, faça chuva ou faça sol.
Ninguém pode dizer que a gente perdeu (eu p.e.r.d.i. [1]) porque ninguém, além de nós mesmos, sabe quantas vitórias existem dentro do nosso coração ainda que, do lado de fora, nossos corpos jazam destruídos nas trincheiras da vida: o que mais importa é a batalha da felicidade anunciada à própria alma, a única que pode ser compartilhada em lágrima ou em sorriso. Esse ano, muito embora alguns possam dizer e pensar o contrário, eu fui muito, muito feliz.
A grande habilidade que precisamos desenvolver (admito, eu mesmo preciso muito) é saber transformar o adverso, mesmo que só de faz de conta, só pra gente poder fingir que está vendo as estrelas caindo mesmo com o céu nublado, só pra não ficar triste por perder a maior noite de chuva de meteoros do ano.
Tem dias que a gente se sente só, se sente carente e não importam quantos beijos loucos a gente dê em gente louca, quantas conversas superficiais a gente tenha ou quantas besteiras a gente leia por aí, na internet: vazio não se preenche, vazio se ocupa. Esses últimos tempos muita gente se revoltou, muita gente ocupou o mundo, mundo a fora, mas acho que tem muita gente também que não está sabendo ocupar o vazio que tem dentro de si mesmo. Esse vazio cada um ocupa do jeito que acha melhor, o importante é saber que ele nunca estará completo e tentar enxergar não o meio vazio, mas sempre o meio cheio.
Foto de Davi Martins
O dente doeu muito, nossa, como doeu! Pra quem está sentindo dor, pode parecer o fim do mundo e cada segundo pode parecer uma eternidade, mas toda dor passa, uma hora sempre passa. Eu tive o privilégio de unir pessoas e eu mesmo senti a dor de me separar de outras pessoas. Honra foi vivenciar ambos os sentimentos com atenção. Por mais que isso já seja um clichê dos mais batidos, vou repetir que nos acostumamos com as despedidas, pois chega uma hora na vida em que percebemos que o sentimento é o mesmo dos encontros: é o nosso coração que saúda o coração de quem a gente ama – Namastê! [2]
Eu estive um longo tempo perdido, procurando a resposta para quem fui e o que me tornei. Acho que nunca tropecei tanto, mas também sei que “se eu me perdi quando eu errei (...)” [3] agora eu me encontrei errando mais ainda! Além de sua existência, um homem deve agradecer por ter alguém para lhe apoiar nas quedas. Posso afirmar, com total segurança, que nunca me faltou um ombro amigo para chorar e um braço forte para me levantar quando eu caí (até literalmente). O curioso é que os mesmo que nos seguram, são aqueles que sabem nos respeitar quando precisamos ficar sozinhos, quando os caminhos que escolhemos nos conduzem por veredas que precisamos trilhar com nossas próprias pernas.
Nesse dia eu desejo boa sorte, para todos os viajantes, tanto os de passos curtos que levaram pra longe como os de passos longos que ficaram por perto. Se eu aprendi a dançar, acho que agora continuar caminhando não deve ser tão difícil. Adeus, só quem pode dar, são os privilegiados que além de um vislumbre, tiveram toda uma visão do futuro, então até mais, até quando, certamente, uma estrela brilhar na hora de nosso encontro [3]!
Seu amigo, seu irmão, seu garoto que escreve,

Max

[1] Para aqueles ridículos purbas que estão no jogo.
[2] Um dos significados difundidos pelos hindus para a palavra namastê é “o Deus que há em mim saúda o Deus que há em ti”
[3] Extraído da música “Fugi desse país” da banda Ludov
[4] Adaptação de uma saudação extraída do livro “O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel”, no idioma fictício quenya, no qual se diz “Elen silá lúmenn omentielvo” (Uma estrela brilha na hora de nosso encontro).


sábado, 3 de dezembro de 2011

Vou voltar


Difícil admitir tanta coisa, principalmente pra alguém que sempre foi tão pressionado para ser “perfeito”. Fechar os olhos para as imperfeições é perigoso porque certamente vai chegar uma hora em que vamos precisar encarar os fatos, encarar a nós mesmos, encarar aquilo de que procuramos nos esconder por tanto tempo. Hoje eu não quero ensinar nada, nem tampouco provocar reflexões e muito menos assistir os desdobramentos das palavras nas vidas de cada um. Não, hoje só o que eu quero é desabafar.
Dói encarar os fatos e admitir que errei, que esqueci, admitir que ignorei tanta coisa no meio do caminho. Agora, parece que o relógio soa badaladas graves e terríveis, como se fosse o anúncio de um carrasco vindo com o machado afiado lançar sua sentença pesada sobre o meu pescoço. As coisas fugiram do planejado, quem sabe até tenham fugido do controle em algum lugar no passado que já não dá mais pra mudar.
Hipocrisia seria dizer que não me arrependo. Atire a primeira pedra quem acha que nunca se arrependeu. Arrependimentos, todos têm, só que arrependimento não enche barriga, nem cabeça, nem coração. Sigo em frente agora, mesmo sabendo que não cheguei onde esperava, tento erguer a cabeça e encarar, com os sorrisos que me restam, o cadafalso que me aguarda à frente.
Nunca me senti tão velho e é incrível ver como apesar disso eu sinta que deixei tanta coisa por fazer. Será que vai ser assim quando a velhice chegar? Talvez nós é que sejamos eternos insatisfeitos com nossas conquistas. Quem dera fossemos todos loucos, como Dom Quixote, sempre avante inspirados pela loucura.
O mais difícil é aceitar que não importa com quem ou com quantos eu fale: ninguém mais tem nenhuma resposta, ninguém mais tem nenhuma fórmula mágica, ninguém mais pode fazer as coisas serem de outro jeito porque as coisas não são de outro jeito e não depende de mim mudá-las. Agora, mesmo os mais cheios de fé me dizem que não há o que fazer senão aceitar. O maior desafio para um sonhador é não conseguir encontrar mais ninguém que compartilhe seu sonho louco em que tudo acaba dando certo. Isso tudo porque o “certo” do sonho, no fim, é a loucura que não consigo enxergar impossível, a realidade tem outro “certo” bem diferente do que eu esperava.
Já não importa mais se foi por minha culpa, por culpa dos outros ou por culpa de ninguém, já não faz mais sentido tentar encontrar alguém para culpar. A realidade me encontrou e o choque com ela explodiu na minha cabeça com a mesma força do machado do carrasco. Decepou as ilusões com destreza e os sonhos jazem caídos ali, ao lado de um corpo que precisa deixar-se ir para encontrar novos sonhos para seguir adiante: sonhos sonhados com um olho aberto e o outro fechado.
Sinto um vazio esquisito de tristeza, já estou sentindo saudade, já entendi que chegou a hora de me despedir do lado de cá, me despedir do sonho e partir. Adeus.

Max


terça-feira, 22 de novembro de 2011

Heróis ocupados


Ontem eu assisti ao filme “Forrest Gump” pela primeira vez. Como se não bastasse essa declaração absurda para os meus amigos cinéfilos, devo dizer que ouvi falar pelo filme pela primeira vez só há uns poucos anos, já depois de ter entrado na universidade. Acredito que todos somos um pouco como o tal Forrest, buscando nosso destino, nossa sina no mundo. Além disso, todos temos histórias de aventuras incríveis para contar, as marcas de uma existência fantástica guardada no coração.
Talvez você não conheça meus passos. Talvez você não conheça meus amigos, minha família ou minha casa. Talvez você sequer conheça minha face. No momento, só o que eu sei é que você não conhece meu coração. Isso, no entanto, não é culpa sua. Também não é culpa dos meus vizinhos, dos meus amigos ou dos professores da universidade. Hoje em dia poucos conseguem manter o foco para ver mais longe, sentir o mundo ao seu redor e ouvir mais atentamente. Estão todos ocupados.
Numa época de ocupações de e por todo lugar, é deprimente notar que a maioria está, todo o tempo, ocupada apenas consigo mesma. Diariamente leio textos que incitam os homens ordinários a se tornarem heróis memoráveis. Vivemos uma nova “era dos heróis da liberdade”, mas, diferentemente dos heróis das eras passadas, os libertários do presente ouvem palavras de ódio e intolerância e, sem pensar, sacam suas armas modernas em defesa de ideias sobre as quais sequer refletiram livremente.
Do meio da turbulência, quanto mais alto você gritar, quanto mais longe uma voz, que nem sua é, for ouvida, mais heróico você se sentirá, pois a função dos novos heróis é ser o eco da voz de um mundo oco. Não pensamos duas vezes antes de falar, como recomenda o provérbio, não pensamos nem mesmo uma vez! Falamos aquilo que nos chega torto ao pé do ouvido e não damos volume aos murmúrios de uma nova revolução gloriosa, mas replicamos as intrigas mesquinhas que nos são contadas.
Esquecemos de ouvir de verdade! Não fomos nós que perdemos o foco por nos terem tomado o tempo para prestar atenção às vozes que nos falam, fomos nós mesmos que amordaçamos nossos ouvidos em prol dessa heróica ilusão silenciosa. Pouco provável que os homens que não sabiam ouvir tenham se tornado heróis, acredito até que os que muito falaram sem nada escutar foram mesmo os grandes ditadores. Todos estão contando histórias num ponto de ônibus cheio de pessoas e vazio de ouvintes.
Então, sem ouvir as fábulas dos corações dos outros, nos tornamos completamente insensíveis, abafando cada uma das nossas ideias e sentimentos. O problema é que ideias e sentimentos são como a chama e a chama, sem ar, apaga. Ouvidos tapados, corações apagados, almas vazias do princípio essencial da mudança: fé. Só há mudança se houver fé de que o futuro será melhor do que o presente tem sido e só há fé se conseguirmos conhecer, minimamente, os corações dos professores da universidade, dos amigos, dos vizinhos, conhecer os nossos próprios corações.
Eu ainda gosto de sonhar. Nos meus sonhos, a gente consegue ouvir uns aos outros. Vamos fazer silêncio para tentar ouvir... Tem um som bonito não é? O silêncio...

Max

domingo, 30 de outubro de 2011

Curiosa trilha amarela.


Moro perto de uma lagoa, no meio dela há uma passagem para pedestres que a divide em duas. Na última sexta feira, estava atravessando a passagem quando olhei para o lado esquerdo e, maravilhado, vi uma trilha amarela sobre as águas calmas. Eram pequenas flores de uma árvore que há no meio da passagem que caíram durante a noite sobre a água. Resolvi fotografar, mas além de minhas parcas habilidades como fotógrafo, acredito que a beleza daquilo só pudesse ser realmente apreciada ao vivo.


Obviamente, aquilo me fez pensar (um amigo vive me dizendo que eu penso demais, talvez ele tenha razão... mesmo assim, não me desfaço dos meus pensamentos). Fez pensar que no mundo a maior parte das coisas está indefinida, que embora a flor nasça dos altos galhos da árvore com um possível objetivo biológico, ninguém pode dizer ao certo qual será o fim ao qual ela se prestará.
Florzinhas amarelas... Completamente efêmeras, assim como nossos sentimentos, assim como nossos desejos. Se apenas uma delas estivesse flutuando no lago eu não acho que teria notado. Só o rastro de milhares delas me fez parar e até arriscar uma fotografia. A raiva de um dia, as palavras caladas ou as ditas inconsequentemente, um atraso, um fracasso ou uma derrota, sozinhos, eles nada significam. Deveriam ser, portanto, efêmeros em nossas vidas.
Somos meio bobos às vezes, achamos que valemos mais ou menos que as flores que caíram no caminho ou que aquelas que caíram na água, ou mesmo que aquelas que ainda estão na copa da árvore. Fato: uma hora ou outra, toda flor irá murchar, apodrecer e voltar ao pó de onde veio. Assim é com todas as coisas, assim é conosco.
O engraçado é que enquanto a maioria passa apressada, tem sempre algum maluco pra parar e olhar com bons olhos pra paisagem do lago. Sorri e estava guardando a câmera quando me virei de volta para frente, mirando no meu próprio caminho. Acabei tirando outra fotografia:


Gostei das duas cenas. E agora, pensando mais um pouco sobre tudo isso, percebo que não há muita diferença entre a flor que cai no caminho e a que cai no lago: um lago não é um rio que corre, então, qualquer dos grupos de flores está sujeito às mesmas duas condições: o vento e o movimento dos seres que passam. Conclusão curiosa...

Max 

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Dança dos passos perdidos


Estou tentando aprender a dançar. Acho que faz algum tempo que não encontro algo novo para me deixar tão empolgado. Eu sempre achei que seria impossível aprender e, por isso, nunca tentei. Devo dizer que experiência está sendo ótima (o que, definitivamente, não implica em ótimos resultados, mas com certeza algum progresso) e tenho notado que esse é um bom meio de mudar de ares e, de certa forma, conhecer novos passos para dar.
Acontece que se passou exatamente um ano da minha grande epifania, do momento em que eu me senti mais pleno, realizado e satisfeito em toda a minha vida. Naqueles dias, tudo pareceu absolutamente lindo, cada sabor, aroma, ruído e imagem compunham um verdadeiro espetáculo, foi mais marcante que um filme com roteiro fantástico, trilha sonora sublime e fotografia impecável: diferente de um filme, aquilo foi vivenciado, foi real.
Apesar das dificuldades, das incertezas e dos obstáculos pelo caminho, há um ano atrás eu ria e dançava despreocupado, saltava por sobre pedras do caminho, corria livre com o vento de encontro à face: sentia a realização como seiva brotando da própria Árvore da Vida e correndo, tranquila, dentro das minhas veias. A plenitude real não parte depois que a deixamos entrar, mas ela muda de forma, talvez, para dar mais emoção às cenas que sucedem. Depois de um ano, tudo continua a passar no mesmo filme incrivelmente belo e tão intenso como outrora, porém, composto de cores e sons completamente diferentes.
Hoje, aquele riso deu lugar a um sorriso sutil, os passos de dança tornaram-se mais bem marcados, agora fico sentado sobre as pedras refletindo sobre a paisagem, deixando a alma caminhar livre e vagarosa por campos desconhecidos. Bons filmes podem contar com cenas muito irreverentes e, depois, muitíssimo mais dramáticas, mas não menos emocionantes. Creio que eu esteja agora passando por uma cena dramática, sentindo o coração apertado e com olhos marejados por precisar abdicar de certas alegrias para evitar certos sofrimentos.
Meus passos não foram os mesmos que os seus, caminhamos em velocidades diferentes e sinto que estamos em pontos bem diversos da jornada. Gostaria que você conseguisse enxergar a beleza da plenitude do que eu tenho vivido e apesar de eu ser infinitamente grato por cada alegria e cada tristeza que temos vivenciado juntos, queria que você compreendesse minha decisão: não posso e não quero correr para lhe alcançar no caminho. Espero que você perceba que o único motivo para que eu esteja prefirindo abdicar de acompanhar-lhe numa dança é para que eu não me machuque por estar com os passos perdidos num rítmo que ainda não conheço e que eu preciso, ironicamente, aprender sozinho.
Mesmo que eu lhe negue a próxima dança, por favor, saiba que estarei aqui para dividir outras alegrias e outras tristezas, para ouvir e para falar, pois somos protagonistas de filmes de um mesmo Diretor e já atuamos juntos muitas vezes em verdadeiras obras primas. Um último pedido: na dúvida, não custa me tirar para dançar, pois prefiro a felicidade do convite que não posso aceitar à tristeza da possibilidade que me foi negada.
Do amigo que sempre lhe quer bem,

Max


domingo, 11 de setembro de 2011

Sê leal ao caos e tolera a ordem.

A desordem e o acaso característicos das situações imprevistas são mais naturais que a ordem sobre a qual acreditamos viver. É conveniente acreditar no domínio absoluto da ordem, pois isso tornaria tudo, inclusive as pessoas, completamente previsível. Uma vez disse que toda aceitação implica algum tipo de dor. Frustrações são difíceis de aceitar, mas, querendo ou não, chegará um momento em que teremos de encará-las. A intensidade da dor vai depender de quanto tempo demoramos em aceitar.
Esses dias minha tolerância foi posta à prova. Felizmente, fracassei. Digo felizmente porque esse fracasso me fez aprender muito. Não percebi o quanto estava sendo irracional e o quanto estava desejando tomar o livre arbítrio dos outros: aprendi que nenhuma expectativa nossa nos dá direitos sobre a liberdade dos outros. Então eu entendi que a intolerância é justamente a não aceitação do rompimento dos outros com as expectativas que fantasiamos sobre eles. Antes de pensar nisso, confesso, eu me achava extremamente tolerante, mas agora, fui obrigado a rever alguns conceitos...
Não existe gosto pior que o da falta de liberdade. Esperar demais dos outros é querer fazer com que eles experimentem desse fel, é perder a noção de onde terminam nossos direitos e onde começam os deles. A pergunta que surge quase que como consequência disso é: quanto se deve esperar de alguém? Não serei hipócrita dizendo que ninguém deveria esperar nada de ninguém, pois não haveria nenhuma ordem se todos se comportassem sem nunca levar em consideração o que os outros indivíduos esperam. Acreditar nisso é acreditar no reino do caos absoluto, tão falso quanto o da ordem absoluta.
Para viver é necessário tomar para si algumas responsabilidades. O caos não deve ser preocupação de uma única pessoa, mas responsabilidade de todas. Nesses dias também pude ver mostras de respeito e de honra, valores que se sobrepõe aos desejos mais irracionais. Nossas responsabilidades vão além das obrigações para com os outros, elas são consequências dos compromissos que assumimos com nós mesmos. Não há verdade absoluta, a verdade é senão aquela com a qual compactuamos, aquela sobre a qual fundamos nossos ideais. Quando assumimos o compromisso com a nossa própria ordem, com a parte que nos cabe no controle do caos do mundo, transcendemos o conceito restrito de fidelidade e atingimos a amplidão do significado real de lealdade.
Esse significado, que costuma passar despercebido pela palavra, talvez seja muito mais importante que qualquer outro sinônimo que lhe é dado. A aceitação de nossa própria verdade e o consequente compromisso com a razão sobreposta aos desejos pode ser o único tipo de aceitação não dolorosa. Quando se assume o pacto da lealdade, não há frustração, pois toda expectativa está em consonância com aquilo que pode nos ser ofertado pelo outro: limites estabelecidos inconscientemente dentro de cada relação, da mais próxima e profunda até a mais distante e superficial.
A lealdade é princípio e fim de muitas outras coisas importantes. Não há amizade fraterna, amor verdadeiro ou mesmo cortesia sincera sem a real lealdade. Pode haver pedras pelo caminho, situações em que nossa verdade não é compartilhada pelo outro, situações em que temos de ser pessoas ou fazer coisas que não parecem nos valer à pena. Nossa lealdade é posta à prova nessas situações, pois é a tolerância que nos fará prosseguir, contornando as maiores dificuldades. A permissividade nos tornaria fracos e submissos, mas a força provém da lealdade e a humildade, da tolerância.
Talvez os egípcios estivessem certos ao dizer que o caos e a ordem estão sempre em luta, mas eu prefiro crer que ambos são rei e rainha, governando gloriosos através da tolerância e da lealdade. Somos o exército desse reino, o reino do equilíbrio, o reino oculto em que os brados cantam a frase do filme de Robin de Hood:

“Lutem, e lutem novamente, até cordeiros se tornarem leões.”

Max


quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Vida em prelúdio.


Estou sozinho agora. Não sei há quanto tempo, nem por quanto tempo, só sei que estou sozinho. Esses dias, contudo, tem sido muito felizes. Uma vez li num texto de pedagogia1 uma pergunta que me fez pensar muito: “E haveria bem mais precioso que a vida vivida?”. Depois de pensar bastante, compreendi que não, nada é mais precioso que a vida vivida. Saber, porém, não é o mesmo que agir, pois se fosse, arrisco dizer que a maioria dos problemas do mundo não existiria. É preciso tempo para transformar as ideias em ações, tempo para provarmos para nós mesmos que estamos prontos para realizar aquilo em que acreditamos. É preciso tempo para ter coragem.
Nas últimas semanas tenho tentado por em prática esse ensinamento, tenho tentado fazer da “vida vivida” não só o maior dos tesouros, mas o maior dos compromissos, uma espécie de pacto comigo mesmo. Hoje vejo pessoas, já com a idade avançada, e sinto pena por carregarem, com tanto esforço, sobre suas costas curvadas, o peso de toda uma vida morta. Se é necessário carregar alguns pesos na vida, que sejam os pesos leves das lembranças pela vida vivida e não os fardos imensos da vida que poderia ter sido e não foi, a vida que passou morta.
Sabe, eu não sou uma pessoa de muitas certezas, por isso gosto de andar sozinho pra pensar bem sobre as minhas dúvidas. Analisando essas andanças, nos dias cinzentos e chuvosos de inverno, uma das maiores conclusões que tenho é que precisamos estar dispostos a mudar de rumo, de repente, dobrar uma esquina sem dar satisfação e tentar arriscar sermos felizes.
O pacto que sugiro é bem simples, não implica nada além de um pouco de atitude, viver arriscando ser feliz. Acaso alguém poderia me dizer se existe melhor risco que o risco de ser feliz? Aqueles que esperam encontrar sucesso na inércia, emoção no caminho sem percalços e amor em promessas da ausência estão, tristemente, deixando suas vidas em prelúdio, um prelúdio eterno do nada.
Então poderão me dizer que é preciso ser muito forte, muito corajoso e ter muito sangue frio para viver assim. Eu responderei da mesma forma que respondi à uma amiga ontem: força, coragem e sangue frio quem tem são os heróis, os bombeiros que salvam pessoas de desmoronamentos, apagam incêndios e escalam montanhas arriscando a própria vida, o que eu faço é só uma brincadeira de criança. Por sinal, é uma brincadeira bem divertida, você deveria tentar.
Max

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Namore um cara que lê

[Primeiro texto que publico aqui que não é de minha autoria, mas vale muito a pena, muito mesmo. Original do Bruno Palma e Silva, no "acepipes escritos". O grifo no final é meu]



  baseado no "Namore uma garota que lê",
          texto escrito pela Rosemary Urquico e
          traduzido e adaptado para o português
          pela Gabriela Ventura
          (espero que não se zanguem muito comigo)


    Namore um cara que se orgulha da biblioteca que tem, ao invés do carro, das roupas ou do penteado. Ele também tem essas coisas, mas sabe que não é isso que vai torná-lo interessante aos seus olhos. Namore um cara que tenha uma pilha de três ou quatro livros na cabeceira e que lembre do nome da professora que o ensinou as primeiras letras.
     Encontre um cara que lê. Não é difícil descobrir: ele é aquele que tem a fala mansa e os olhos inquietos. Ele é aquele que pede, toda vez que vocês saem para passear, para entrar rapidinho na livraria, só para olhar um pouco. Sabe aquele que às vezes fica calado porque sabe que as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas? Esse é o que lê.
     Ele é o cara que não tem medo de se sentar sozinho num café, num bar, num restaurante. Mas, se você olhar bem, ele não está sozinho: tem sempre um livro por perto, nem que seja só no pensamento. O rosto pode ser sério, mas ele não morde, não. Sente-se na mesa ao lado, estique o olho para enxergar a capa, sorria de leve. É bem fácil saber sobre o quê conversar.
     Diga algo sobre o Nobel do Vargas Llosa. Fale sobre sobre as novas traduções que andam saindo por aí. Cuidado: certos best-sellers são assunto proibido. Peça uma dica. Pergunte o que ele está lendo –e tenha paciência para escutar, a resposta nunca é assim tão fácil.
     Namore um cara que lê, ele vai entender um pouco melhor seu universo, porque já leu Simone, Clarice e –talvez não admita– sabe de memória uns trechos de Jane Austen. Seja você mesma, você mesmíssima, porque ele sabe que são as complicações, os poréns que fazem uma grande heroína. Um cara que lê enxerga em você todas as personagens de todos os romances.
     Um cara que lê não tem pressa, sabe que as pessoas aprendem com os anos, que qualquer um dos grandes tem parágrafos ruins, que o Saramago começou já velho, que o Calvino melhorou a cada romance, que o Borges pode soar sem sentido e que os russos precisam de paciência.
     Um namorado que lê gosta de muita coisa, mas, na dúvida, é fácil presenteá-lo: livro no aniversário, livro no Natal, livro na Páscoa. E livro no Dia das Crianças, por que não? Um cara que lê nunca abandonará uma pontinha de vontade de ser Mogli, o menino lobo.
     E você também ganhará um ou outro livro de presente. No seu aniversário ou no Dia dos Namorados ou numa terça-feira qualquer. E já fique sabendo que o mais importante não é bem o livro, mas o que ele quis dizer quando escolheu justo esse. Um cara que lê não dá um livro por acaso. E escreve dedicatórias, sempre.
     Entenda que ele precisa de um tempo sozinho, mas não é porque quer fugir de você. Invariavelmente, ele vai voltar –com o coração aquecido– para o seu lado.
     Demonstre seu amor em palavras, palavras escritas, falas pausadas, discursos inflamados. Ou em silêncios cheios de significados; nem todo silêncio é vazio.
     Ele vai se dedicar a transformar sua vida numa história. Deixará post-its com trechos de Tagore no espelho, mandará parágrafos de Saint-Exupéry por SMS. Você poderá, se chegar de mansinho, ouví-lo lendo Neruda baixinho no quarto ao lado. Quem sabe ele recite alguma coisa, meio envergonhado, nos dias especiais. Um cara que lê vai contar aos seus filhos a História Sem Fim e esconder a mão na manga do pijama para imitar o Capitão Gancho.
     Namore um cara que lê porque você merece. Merece um cara que coloque na sua vida aquela beleza singela dos grandes poemas. Se quiser uma companhia superficial, uma coisinha só para quebrar o galho por enquanto, então talvez ele não seja o melhor. Mas se quiser aquela parte do "e eles viveram felizes para sempre", namore um cara que lê.
     Ou, melhor ainda, namore um cara que escreve.


domingo, 7 de agosto de 2011

Areia na margem do rio

A mente possui mil caminhos, portas, passagens, incontáveis segredos que cada um pode desejar guardar ou revelar. Os mistérios são como nuvens amorfas de neblina: turvam nossa visão, gelam nossa espinha e alimentam nossas dúvidas. Despertos de nossos sonhos ainda estamos sob domínio do nosso subconsciente e, muitas vezes, não temos a capacidade de compreender as escolhas que fazemos.
Independente de nossa idade, acredito que somos todos como crianças. Nossas ideias, nosso conhecimento e mesmo nossos desejos podem mudar e envelhecer, mas há atitudes comuns que compartilhamos e repetimos por toda a vida. Oportunidades aparecem no meio da noite, na mesa ao lado, e nós ainda as encaramos com receio, como se fossem fantasmas de névoa.
Tente parar, por alguns instantes, e pensar no que torna cada um realizado. Questione-se: o que cada pessoa no mundo almeja para sentir-se realizada? Quanto maior a abrangência desse questionamento, quanto mais pessoas forem envolvidas nesse seu jogo mental, você perceberá quão pequenas são as suas ambições. Uma família, fama, algum bem material, fortuna, saúde, poder, por maior que possa parecer, nada disso pode ser realmente encarado como algo absolutamente grandioso. Para além dos sonhos, a ilusão do desejo ainda é muito pequena. Somos crianças que se satisfazem com brinquedos simples, por mais reluzentes ou fantásticos que possam parecer.
Ajoelhado na beira do rio, o garoto recolhe a areia com as mãos. Olha para ela como se olhasse para o universo todo, como se tudo pudesse caber naqueles pequenos grãos. Ilusão, mas é a ilusão que satisfaz. Ele não precisa de nada além de seus grãos de areia e, satisfeito, sorri. Corre o rio. Enquanto ele sorria olhando a areia reluzindo na luz do sol, as águas carregaram a areia que escorria pelas suas pequenas mãos. O rio de águas doces sente o gosto salgado das lágrimas da criança. Logo, no entanto, ele voltará a recolher areia na margem do rio sorridente. Ele é criança, assim como nós.


[uma música: Ilusion – Julieta Venegas & Marisa Monte



“Uma vez eu tive uma ilusão
e não soube o que fazer
(...)
E ela se foi
Porque eu a deixei
Por que eu a deixei?
Não sei
Eu só sei que ela se foi”]

Max 

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Enquanto a noite cai

A segurança de um plano é a mesma de um sonho: planos são desejos que pretendemos concretizar. Planos não são verbos, são substantivos que só realizam no futuro. Curioso... “Plano” é um substantivo ligado ao tempo, mas que não nomeia o tempo como é o caso de “ontem” ou “amanhã”. Seguidos a risca, modificados ou tão somente abandonados, os planos parecem ser necessários para assegurar nossa sanidade, para que sintamos segurança em nossas ações. É pouco provável que conseguíssemos ter ousadia sem um plano. Na falta de ousadia, quem de nós teria audácia de descobrir o gosto de um beijo de “até logo”?
Assim mesmo, planos podem virar do avesso na ventania, podem explodir em milhões de estilhaços no turbilhão, podem desaparecer enquanto eu estou escrevendo, desaparecer enquanto a noite cai... Isso aconteceu comigo. Confesso, porém, que isso me desesperou um pouco. De repente, me percebi no fim de tantas coisas, obrigado a tomar decisões e transformar alguns planos em compromissos.
Nesse processo notei a necessidade de esvaziar os armários, jogar algumas coisas fora, deixar outras para trás. Também fui deixado para trás por tantas outras coisas das quais realmente não queria me despedir agora. Entendi, contudo, que chega uma hora em que não dá pra simplesmente continuar carregando tanta coisa e notei que quando chega o “Fim” não resta o que fazer senão fechar o livro e seguir com minhas próprias histórias.
Fiquei surpreso que no lugar outrora ocupado por aqueles velhos planos arrastados pela ventania cabiam novas idéias e novas perspectivas. Será que conseguimos abandonar algo, mesmo que por necessidade, sem que haja vontade de mudar? Eu acho que não. Planos são só planos. Nós não somos obrigados a segui-los e devemos mesmo encaixá-los às oportunidades que nos aparecem. Se eles não couberem, então talvez seja melhor procurar alguns novos. Às vezes o vento bate uma porta pra nos fazer perceber que esquecemos uma janela aberta.
Tudo vai mudar, até mesmo eu. Não obstante, quando eu tiver mudado, vou ter que me esforçar pra ver que tudo está diferente. Comecei a escrever enquanto o sol se punha, mas agora ele já se foi... Boa noite e bons novos planos amanhã!

Max