O juramento assumido não foi jurado se não é
vivido. Não há validade na promessa que não tem como prova a própria vida. Cada
manhã será testemunha do compromisso de que todo dia é um passo daquele sonho,
pois a manhã se abre para que os olhos a vejam, mas os olhos se abrem para ver
a manhã. Acordado sonhando. Sonhando acordado. Sonhando que está acordado. A
ordem faz diferença, mas já não importa.
Caminhando em direção a passagem, em meio ao
jardim que a primavera trouxe. Tapetes de flores coloridas pelo caminho.
Cigarras, pássaros, o sol tímido se erguendo no céu. Levando nas mãos aquilo
que será absolutamente importante naquele dia. Na mala, leve, vai aquilo que é
essencial, mas não necessariamente útil. A garça faz graça na lagoa, em cima do
reflexo do sol. É hora de atravessar. A passagem pelo lago leva do jardim para
a fantasia, é a toca do coelho da Alice, onde todos são loucos e se julgam mais
normais que os outros loucos.
Quantas vezes passei pela passagem? Quantas vezes
cruzei o abismo entre mundos? Quantas vezes até agora passei para aquele lado,
além do jardim onde eu vivo, e hoje ele é só é um pedaço do caminho para um
mundo mais além. Quando a gente vê que há um mundo além do jardim e do país das
maravilhas a gente percebe que está mesmo sonhando. O ônibus vazio sai da
fantasia e vai em direção ao falso caos rotineiro da cidade, completamente ordenado
em sua desordem.
O canto dos pássaros se torna o barulho enervante
dos carros, motocicletas e da música dos rebeldes que esqueceram sua revolta. Reparando
nos que estão ao redor, se vêem mãos sempre livres e malas muito pesadas. O dia
passa, rápido, afinal, sonhos são muito velozes. De volta ao ônibus para a toca
do coelho. O céu do entardecer muda rapidamente para uma obscura revolta, é
chuva que se aproxima. Já estava prevista, por isso as mãos traziam o
guarda-chuva. Traziam. Já não trazem mais. Ele foi esquecido porque não se fez
necessário em nenhum outro momento do dia.
Chuva muito forte vira banho de chuva quando não
se pode mais adiar a descida do ônibus. Gargalhadas sozinho no caminho de
volta, pela passagem do lago, para o jardim onde vivo. Cada gota de chuva é
refresco pra alma, é o balde de água gelada que faz dormir quem estava sonhando
acordado. Confiante, despreocupado, conhecedor da realidade. A chave de quem
está ensopado gira tranquila na porta, não há pressa, não há nada a perder que
já não esteja perdido.
Depois, relaxando sentado na poltrona, sozinho,
ainda continuava sorrindo por ter compreendido. Os que estão ali, ao alcance da
mão, são como guarda-chuvas: parecem muito importantes, mas são utilitários,
ficam pelo caminho quando a ausência de necessidade faz esquecer deles. Perdi
dezenas de guarda-chuvas pela vida e sempre fiquei chateado com a perda de cada
um deles. Mesmo assim, nunca fiquei triste realmente como se tivesse perdido
algo de dentro da mala. A mala é leve como o coração de quem deixa o peso inútil
para trás e, sem precisar fazer esforço para lembrar ou manter por perto,
carrega aqueles que são essenciais.
Max