domingo, 13 de maio de 2012

Eu convicto


Ontem, na volta do cinema, o ônibus demorou uma hora pra passar. Comigo nunca havia acontecido nesse trajeto. Quando cheguei no ponto tinha uma moça, muito atraente, claramente nervosa pela demora do seu ônibus. Fumava. Na vida agitada, é tão raro termos tempo pra parar um pouco e pensar sozinhos que procuro encarar a espera como uma oportunidades para olhar em volta e analisar o mundo que me cerca. Mesmo reconhecendo que as pessoas tem razão em dizer que eu penso demais, prefiro assim: acho que se eu pensar bastante vou enxergar mais as sutilezas das diferentes tonalidades do mundo. Sério, fixei o olhar na loira fumante.
A última semana só poderia ser classificada como intensa. Boas notícias, surpresas, recompensas e decepções. Diversas vezes quis relatar o que estava sentindo, mas, felizmente, não consegui. Como disse um grande amigo, palavras de grande emoção precisam ser ditas com grande razão. O filme de ontem falava um pouco da busca por respostas, do eterno questionamento humano “Quem sou eu?”. Hoje, depois dessa semana tão cheia de tons, percebi que eu estava sendo pedante, percebi que, assim como em todos os filmes com esse tema, eu não podia estar tão certo do que sou, do que sinto e ainda mais do que poderia sentir ou ser.
Enquanto esperava o ônibus me surpreendi com a mudança na minha própria visão. Pouquíssimo tempo atrás, aquele era um dos meus lugares favoritos, um dos lugares que eu mais admirava, que eu mais achava bonito. Ontem, apesar das pessoas, das luzes e de todas as lembranças fantásticas dos momentos que eu vivi ali, percebi que já não é mais o meu lugar. Sorri. Talvez a linda mulher tenha pensado que eu sorria para ela. Mandou-me um olhar enigmático e um sorriso misterioso. Acendeu seu quarto cigarro. Lembrei que eu dizia que não conseguiria viver longe dali. Ri. A gente fala tanta coisa do futuro com uma certeza que parece até discurso de louco. Nunca imaginei minha vida assim, no entanto, aqui estou eu, realizado. Ela deve ter pensado que eu era louco. Sorri de novo, mas dessa vez, só porque estava feliz.
É necessária muita sobriedade pra não afirmar algo baseado na convicção que temos daquilo que julgamos conhecer. Ficar me perguntando quanto tempo mais meu ônibus demoraria não faria com que ele chegasse mais rápido. Acender um cigarro atrás do outro também não. Ainda assim, a gente continua se fazendo perguntas desnecessárias e tomando atitudes sem sentido. Se não consigo prever nem os horários tabelados de passagem dos ônibus, como é que quero prever os passos do meu próprio eu? Por sinal, mesmo com a infinidade de linhas que atende aquele ponto, acabamos pegando o mesmo ônibus, mas, sem trocar palavras, ela com sua ansiedade e eu com meus pensamentos, descemos em paradas diferentes...

Max

domingo, 6 de maio de 2012

“... e de volta outra vez.” *


Parece que foi ontem que escrevi minha primeira carta. Foi escrita numa folha de monobloco amarelada, dada pela minha “avó de coração”, por sinal, ela mesma era a destinatária da carta. Eu devia ter uns dez anos de idade, no máximo. A carta falava de amor, o amor puro e simplório de uma criança pelo mundinho à sua volta. Lembro que, ao receber a carta, ela disse que meus “escritos” eram muito bonitos e me deu o velho monobloco inteiro, para que eu continuasse a escrever. De certa forma, aquelas folhas amareladas foram meu primeiro “caderninho”... Parece que foi ontem, mas muitos anos já se passaram desde então. Muitos se foram, muitos vieram, muito mudou e eu, no entanto, continuo escrevendo.
A gente cresce e aprende tanta coisa que acaba esquecendo como eram simples as coisas quando éramos crianças. Aprendemos milhares de novas palavras, porém, banalizamos tanto os seus significados até a maioria delas se tornar um conjunto de fórmulas vazias. Alguns aprendem a desenhar e, justamente por isso, cortam as asas da própria imaginação, outros aprendem a fazer cálculos e passam a quantificar coisas incontáveis. As coisas eram bem mais legais quando éramos crianças, quando desenhar um inseto com giz de cera e dizer que era um monstro-horrível-de-sete-cabeças era completamente lógico, quando amor era simplesmente amor e não tinha explicação, nem tamanho, nem preço.
Esses dias eu estava por aí, pelo mundo, em uma das minhas aventuras. Quem estava comigo deve ter percebido como eu fiquei abobalhado com coisas pequenas, mas todo mundo também deve ter notado que essas coisas pequenas, pra mim, tinham mais valor que qualquer coisa naquele momento. Uma garotinha ordenava ao avião que decolasse e aplaudia feliz conforme ele obedecia, em outro lugar, enquanto o avião decolava, um garotinho gritava “Isso é adrenalina pura!” e ao mesmo tempo levantava os braços como numa montanha russa. Pouco importa se o avião não pode ouvir nossas ordens ou se a adrenalina é um hormônio secretado pelas glândulas supra-renais, o importante mesmo é que, no mundo das crianças, tudo pode ser como se deseja e, se não for, pode-se passar por cima de tudo para fingir que é.
Fazemos sacrifícios pra tentar nos concentrar nas obrigações, sem perceber que são as obrigações que estão nos distraindo da vida. Passamos a correr em meio à multidão sem nos perguntarmos onde é mesmo que queríamos chegar. É assim que perdemos os olhos de ver e não notamos mais quando sorrisos irresistíveis estão nos pedindo um beijo nem enxergamos que voltar não implica regredir, mas retornar para o lugar de onde viemos quando éramos crianças. Disseram-me que a água do Rio Doce é doce quando ele encontra o mar, mas bobo que sou, não experimentei para sentir por mim mesmo. Se conseguíssemos sentir tudo de verdade, um só caranguejo já nos faria felizes, só pelo trabalho, só pelas caretas, só pela diversão.
É... não sou mais criança, prova disso é que eu escrevi um texto enorme pra dizer algo que antigamente eu diria com um sorriso, um abraço acanhado e uma palavra: Obrigado!
Max

* Trecho do livro “O Hobbit” de J. R. R. Tolkien. O livro narra a fantástica viagem de Bilbo Bolseiro, a qual mudou sua vida para sempre.