sexta-feira, 31 de maio de 2013

Nosso próprio tempo

Para o Rafa.

Marquei de encontrá-lo na entrada da estação de metrô às nove horas para pegar carona. Estava bem cedo quando terminei de me aprontar, me programei para que o tempo disponível fosse suficiente com folga: o trajeto demoraria, normalmente, em torno de vinte minutos, estava saindo com cinquenta de antecedência. Os ônibus passavam com intervalos curtos, certamente daria tempo. Terminei de conferir as coisas na mochila. Fechei. Saí tranqüilo de casa. Era uma bela manhã de segunda-feira, o sol prometia um início de semana agradabilíssimo. Enquanto caminhava calmamente, prestava atenção aos pássaros, às pessoas, aos desenhos das sombras das árvores nas calçadas. Ainda lembro-me da linda cena do símbolo do infinito que a sombra de alguns galhos formava, logo acima do batente de uma porta. Me fez pensar que “temos todo o tempo do mundo”.
Um homem e seu cachorro passeavam, mas não reparei muito bem no cachorro, lembro apenas que era um cachorro engraçado. Na esquina, olhei para os dois lados e vi que vinha um carro. Apertei o passo para atravessar a rua. O ponto de ônibus fica na quadra, na esquina. De longe, vi que um ônibus passou pelo ponto. Perguntei-me se poderia ser algum daqueles que vão em direção a estação, mas não importava: ele já havia passado. E se fosse aquele fosse o ônibus que eu deveria tomar e fosse demorar a passar outro?
Acelerei a caminhada em direção ao ponto. Cheguei e nem sinal de ônibus. Esperei “uma eternidade”. Quase meio minuto depois de chegar ao ponto, vem vindo um ônibus que ia em direção à estação. Até que enfim! Dei sinal. O ônibus parou. Todas as pessoas que esperavam se aglomeraram em frente à porta. Entrei por último. Mesmo sendo o último, procurei apressado, o dinheiro da passagem para pagar e passar logo pela catraca. O ônibus estava cheio. Não tinha nenhum lugar vago para sentar. Não consigo ficar parado. “Por que tanto trânsito hoje?”. “Esse motorista está de brincadeira com as pessoas!”. “Os ônibus demoram tanto pra passar que a gente nunca chega no horário”. Para não perder tempo, já me posicionei próximo à porta de saída. Quando o ônibus parou na estação, saltei rápido para plataforma e subi as escadas correndo. Por que do terminal de ônibus para a estação não são todas as escadas rolantes também?
Com passos largos e certeiros, fui desviando das pessoas pelo caminho. Uma trombada e um empurrão aqui e ali, alguns pedidos de desculpas pros homens ou mulheres pelos quais passei sem nem olhar no rosto. Enquanto ando, reviro a mochila em busca da carteira e a carteira em busca do bilhete. Achei. Logo estava atravessando as catracas. Ficar parado na escada rolante demoraria muito então desci correndo cinco degraus, mas havia pessoas na frente: tive de esperar pela acomodação alheia. O metrô estava de saída. Um pulo pra dentro do vagão enquanto tocava o sinal de fechar as portas. Só se ouviam reclamações: a lotação, a demora, o calor, a falta de conforto, a chuva. A voz do alto falante disse “Próxima estação...” e mentalmente eu completei a fras... Espere! Estava em choque...
... O que foi que eu fiz? Estava indo para a estação, mas não iria pegar o metrô, iria encontrar uma pessoa na própria estação! Perplexo, desci na estação seguinte para pegar o metrô no outro sentido, voltando para onde eu estava. Olhei no relógio e ainda não eram nem oito e meia, portanto eu estava mais de meia hora adiantado. Comecei a olhar em volta e só o que vi foram corpos robóticos, correndo como formigas alucinadas que curiosamente sabem para onde vão, em meio à desordem. Voltei enquanto via pessoas desrespeitando idosos e mães, completamente inseridas em suas conversas nos celulares, ignorando totalmente o que acontecia em torno delas.
Já de volta a estação, eu subi, tranqüilo, as escadas convencionais: curioso como a maioria vai pelas escadas rolantes abarrotadas para subir andando do mesmo jeito, enquanto as escadas convencionais ficam vazias. Caminhei, sossegado até o local onde deveria pegar carona, quando cheguei vi que ainda faltavam quase trinta minutos para o horário combinado. Mais do que perguntar o que ganhei correndo, me perguntei por que corri. Eu não conseguia responder.
Quanto mais meus olhos se abriam, mais estarrecido eu ficava. Era muito triste observar a agressividade latente, o olhar irado de uns para os outros. Esqueci a calma do início do dia? O canto dos pássaros, eu fiquei surdo a ele? Esforcei-me então para lembrar como era o cachorro engraçado. Não consegui. Todas as cenas depois daquela pareciam um turbilhão louco. Foi ali que a aceleração havia começado, ao atravessar a rua correndo. Como foi que nos tornamos isso? Senti vergonha. Quando foi que deixamos que essa “individualidade coletiva” nos isolasse tão completamente em nosso egoísmo até que, mesmo com centenas de milhares de pessoas a nossa volta, estivéssemos completamente sozinhos? Será que um dia conseguiremos manter os olhos abertos? Eu decidi tentar. Agora, sempre que começo a acelerar sem motivo, lembro do símbolo de infinito no batente da porta: temos todo o tempo do mundo.


Max.