sábado, 30 de outubro de 2010

Reflexos partidos

No início da semana precisava muito estudar para uma prova, porém, um colega me pediu dez minutos para conversarmos. Obviamente como, para mim, quando a conversa é boa, o tempo voa, os dez minutos tornaram-se algumas horas. Percebi que não somente ele, mas também eu, precisava ser ouvido. Nos emocionamos com o que dissemos um para o outro e acredito que ambos tenhamos aproveitado muito toda a discussão. Não vou entrar em detalhes sobre o ocorrido, mas vou contar que naquela noite, por acidente, meu grande espelho caiu no chão e se estilhaçou em centenas de milhares de pedaços.

Aquela cena realmente ficou gravada na minha memória. Demorei mais de meia hora para recolher os cacos tal foi o modo como eles se espalharam pelo quarto. Apesar de estar nervoso e um pouco frustrado por perder algo que me era tão útil, era bonito de se ver aquela imensidão partes e pensar que, instantes atrás, compuseram um todo e ainda era mais bonito de se perceber que esse todo era incompleto e irreal.

Espelhos são assim, apresentam apenas imagens da realidade que os cerca. Por mais que estejam inteiros, eles só conseguem reproduzir a parte do mundo que lhes é mostrada. Depois de muito meditar sobre isso, percebi que isso se aplica a nós. Nenhum de nós vê tudo em todos os lugares e, desse modo, somos incapazes de conhecer uma verdade absoluta. Essas imagens serão aprendizados, lembranças, idéias, opiniões. Ficarão guardadas como as palavras do amigo que me comoveu no dia da queda do espelho. Na ocasião, ambos concordamos que as coisas mais simples são as mais incríveis, mais importantes, mais mágicas e infinitamente as mais sagradas. Até o último de nossos dias, nos submeteremos a diferentes cenários e, de cada um deles, refletiremos uma imagem, particular e inegavelmente nossa.

Ainda que incompleta, nossa visão do mundo não precisa ser sempre a mesma, pois basta estarmos dispostos a ousar e nos lançar ao abismo, então, partirmos nossos espelhos em centenas de milhares de pedaços. Felizmente, não seremos capazes de eliminar todos os cacos do espelho velho: teremos de aprender a conviver com os pequenos cortes que eles poderão provocar, mas também teremos a oportunidade de enxergar certos pontos brilhantes, como estrelas, nos cantinhos nos quais, antes, nada havia.

Assim, de forma um tanto quanto incompleta e abrupta, eu termino essa carta. Espero, realmente, que isso faça algum sentido para você, pois receio que talvez nem eu mesmo tenha conseguido transformar em palavras a visão deslumbrante de reflexos partidos. Até breve.

Max

domingo, 24 de outubro de 2010

A lição da abdicação

Quando dei por mim, o tempo havia passado. Os momentos que, num instante, davam a impressão de que se repetiriam indefinidamente, noutro, se tornaram lembranças amadas queimando dentro do peito. Estou lhe enviando essa carta, pois estou disposto a mostrar-lhe que apesar disso, aprendi que a abdicação – não o esquecimento – é necessária algumas vezes e que ela certamente será muito mais proveitosa e prazerosa do que o sofrimento do apego irracional a um passado mesmo que magnífico. Por favor, compreenda, desde já, que apesar de qualquer palavra poder, a princípio, demonstrar o contrário, o que sinto é uma grande felicidade, a felicidade de alguém que honra os aprendizados do ontem com seus olhos postos no amanhã.

É engraçado como nós, seres humanos, temos uma relação estranha com o tempo. Quando jovens, desejamos que ele passe rápido e que cheguem logo os dias de nossa maioridade. Quando nos tornamos adultos, desejamos conter ao máximo o fluxo das areias da ampulheta para que aquilo que vivemos nos bons momentos se torne eterno. O grande questionamento que devemos nos fazer é: quando estamos certos? E ainda mais profundamente: como saber se essas memoráveis situações não são eternas, já que o tempo nada mais é do que um conceito criado para explicarmos melhor a sucessão de eventos?

A Teoria da Relatividade Restrita, proposta por Einsten, demonstra claramente a fragilidade de nosso pobre conceito de tempo: pelos postulados propostos nessa teoria, dois eventos distintos podem ocorrer em ordens diferentes para observadores colocados em diferentes referenciais. Deixando de lado a Física, temos consciência que, ao menos para o coração e para a mente, cada instante tem uma duração diferente dependendo de quem o está vivenciando.

Se você é tão sedento e apaixonado quanto eu pelo conhecimento, deve perceber que tudo aquilo que vivemos nos permite aprender. Cada olhar trocado, cada passo dado, cada palavra dita e ainda mais ouvida, enfim, estamos em processo de constante aprendizagem e, se nos permitirmos, veremos beleza em todas as situações.

Do mesmo modo, se você é tão sensível quanto eu, certamente viverá cada segundo tentando extrair dele a mais maravilhosa vivência e o maior dos sentimentos. A consequencia mais imediata disso é: ser passível de sofrimento. Confesso que demorei muito para perceber isso e não aceitei imediatamente minhas conclusões. Diante de mim se colocavam dois caminhos opostos: empreender o grande esforço da mudança visando tornar-me mais frio e menos sensível àquilo que me cerca ou simplesmente aceitar os eventuais sofrimentos que viriam pelo caminho.

Depois de muitos questionamentos, tomei o caminho que julgo ser o mais sensato: viver ainda mais sensivelmente do que tenho vivido até agora e tornar cada impacto mais chocante, cada dor mais insuportável e cada decepção mais amarga, porém, também tornaria cada carinho ainda mais gostoso, cada sorriso ainda mais prazeroso e cada surpresa ainda mais maravilhosa.

Ontem oficializei um término que já há algum tempo ocorrera. De modo algum foi um rompimento, mas acredito que tenha sido uma transformação. A aceitação de que os bons momentos foram os melhores e que cada momento ruim serviu ainda mais para que eu aprendesse me mostrou como reconhecer que o “tempo” acabou e que chegou a hora de abdicar.

Não há contradição em se desapegar dos instantes, sejam eles bons ou ruins e, ao mesmo tempo, recordá-los para sempre, como as boas experiências que foram. E para você, uma última coisa que todos percebemos, quase sempre, tarde demais: independente daquilo em que acreditemos, a vida, como a conhecemos, acaba e seria realmente triste, como escreveu o filósofo Henry Thoreau “quando morrer, descobrir que não vivi”. Pense a respeito!

Até breve! E me mande uma resposta, se possível! Ficarei feliz em saber o que você pensou!

Max

sábado, 16 de outubro de 2010

Satisfação

Na última semana tenho vivenciado situações extremamente agradáveis e prazerosas. Foi necessário muito tempo para ousar dessa forma, para fazer, responsavelmente, tudo aquilo que, estando ao meu alcance, eu tivesse vontade de fazer. Um jantar para reencontrar uma grande amiga que há muito não via e no outro, um passeio animado com antigas colegas de república. Pude almoçar agradável e descompromissadamente na companhia de alguém amado e notar a felicidade de alguém realizado. Tive tempo para estudar com tranquilidade e atenção e depois, ainda tomar chuva propositadamente. Me lancei à dança, ao som de boas batidas e bebi tequila. Hoje acordei cedo, mas sem pressa, tomei um banho revigorante e logo mais fui a um restaurante, sozinho que estava, e ali saboreei um maravilhoso almoço.

Foi hoje, mais ou menos a uma da tarde, enquanto almoçava. Estava sendo muito bem atendido, todos os funcionários, na recepção, os garçons, o gerente, enfim, todos sempre tranquilos e sorridentes. Em meio a essa agradável cena, enquanto levava à boca um pedaço deliciosamente suculento de filé ao molho madeira, meu olhar se encontrou com o de uma moça, a encarregada da limpeza. Seus olhos eram penetrantes e enigmáticos, mas eles sorriam. Eu sorri para ela, ela sorriu de volta e acenou com a cabeça: um sinal de cumplicidade e gentileza daqueles que compartilham da felicidade. Foi naquele instante que percebi a beleza sutil da satisfação.

É muito bom sentir-se assim, tendo da vida aquilo que se deseja. Por mais simples e incompleta que possa parecer aos outros, possuo na vida aquilo que poderia desejar. Claro, não estou desconsiderando todos os meus argumentos contra o conformismo, pois ainda acredito que não devemos nunca nos dar por satisfeitos e sempre buscar aprimoramento em relação àquilo que nossos esforços nos rendem. Não obstante, estou falando daquilo que possuímos (obviamente não apenas no plano material) e, muito embora esteja aquém de nossas aspirações, pode nos fazer felizes.

Agredeço, uma vez mais a vocês, que me mostraram todas essas coisas, esses lugares, sabores, sons e até mesmo esses sentimentos, todos novos e apaixonantes. Sou imensamente grato por todas essas coisas e essa gratidão inunda meu ser ultrapassando os limites da humanidade e alcançando a existência da própria consciência superior que tudo governa sabiamente. Que possam, todos vocês, sentirem-se como me sinto nesse momento: realizado.

Um grande abraço,

Max

sábado, 9 de outubro de 2010

O leme do Este

Garoa lá fora. Aqui, na terra da garoa. Já reparou como é difícil digitar a palavra garoa? Você sempre acaba digitando “agora”. Acho que é muito mais automático. Tem tantas coisas que nós fazemos no “piloto automático” e não percebemos. De repente, a gente abre os olhos e se pergunta: “Onde é que eu estou?”. Será que você nunca se fez essa pergunta? Duvido. Todo mundo de vez em quando é levado pra algum lugar, sem perceber onde é que está indo. Às vezes guiamos a barca da vida sem perceber que as águas pelas quais navegamos são mais fortes do que nossa vontade de manter o curso.

Na quinta-feira, quando saí de casa, atrasado pra aquela aula não muito produtiva, estava ventando muito. Há uma árvore no quarteirão de lá, uma árvore que amplifica demais o som do vento. O vento fortíssimo, batendo naqueles galhos e naquela madeira parecia um canto de mil vozes solitárias, mas ao mesmo tempo consoantes. Um clamor desesperado e lamurioso de quem precisa de algo mais.

Achava que não tinha nada. Descobri que tenho muito. Nunca estamos satisfeitos com o que temos, se assim fosse, a vida não teria graça, pois não continuaríamos a procurar. Tenho a mim mesmo e estou aprendendo a guiar a minha própria barca, estou me tornando “o leme do Este” das lendas do Egito.

Confesso que não é nem um pouco fácil, pelo contrário, parece impossível em alguns momentos, quando as vozes parecem ser todas dissonantes, cantando lamentos no escuro e o mar está revolto parecemos não ter nada, parecemos estar sendo totalmente guiados. Nessas horas, aprendi que temos que continuar segurando firmemente o leme e, por menor que seja a influência de nossas ações, elas ainda farão alguma diferença no rumo que estamos tomando.

Sempre detestei a inércia. Quando você desiste de tentar guiar, então você se submete ao deprimente jugo da inércia. Ser inerte não é viver, é deixar a vida passar. Talvez eu esteja, mais do que nunca, consciente disso. Gostaria que todos se dessem conta disso.

Hoje, amanhã, depois, todos esses dias eu vou sair. Vou encontrar pessoas que gosto e fazer sabe-se lá o quê. Quiçá eu tenha voltado a jogar... E como é bom ser um jogador...

Até mais!

Max