Falta
muito pouco... O denso véu de nuvens escuras já há muito cobriu o sol. Não se
sabe quando ele se pôs, apenas que a escuridão se abate sobre a face do mundo. A
respiração, ofegante, se prende depois do mais longo e agoniante suspiro. Os
punhos doem pela pressão com que estão cerrados. Os lábios sangram, mordidos
com força. Os braços, cruzados, rijos, tremem angustiados. Como portões de
ferro, as pálpebras subitamente se fecham. Trovões como tambores de guerra. A
certeza já bate às portas. Falta muito pouco... falta um único segundo... menos,
um instante! Então, sem qualquer justificativa, o relógio começa a retroceder.
A
estrada parecia clara até aqui, o aglomerado de venturas e desventuras fez dos
retalhos unidos uma belíssima cena. Agora, tudo parece estar do avesso. O
cheiro do medo impregna o ar, o caos ri, estrondosamente, da confusão que
impera. O relógio da torre de marfim bate a vigésima quinta hora. É uma ciranda
louca e sinistra, um carrossel de animais mórbidos e macabros. Milhares de
vozes demoníacas se levantam num coro diabólico e desarmonioso. As horrendas
mensagens são ofensas sarcásticas, súplicas desesperadas em meio a urros de dor
e prazer. O relógio bate três vezes.
Uma
tropa abominável caminha, com fogo nos olhos e facas nas mãos. A sua marcha é o
cortejo que conduz o prisioneiro ao carrasco. Sua juíza e também executora será
a esperança, porque ele fez dela uma cega débil. Gritos e gargalhadas cortantes
de vingança. O relógio bate, ensurdecedor, sem parar. A comitiva implora por
sangue, eles desejam que os corvos arranquem os olhos de suas órbitas já que
eles não foram usados para ver o óbvio. Os soldados, imundos, cantam: querem
dilacerar os braços, que se mantiveram cruzados, querem queimar os pulmões que
se fizeram inertes. Esperança deseja justiça.
Agora,
acorrentado à roda de seu próprio destino, o prisioneiro nada pode fazer senão
entregar-se aos ditames de sua condenação. Esperança não se carrega
enclausurada na certeza da mente, pelo contrário, se alimenta na liberdade do
coração para que seja forte e poderosa e não fria e sedenta de vingança. Ele não
tem direito a nenhuma última vontade, pois negou todas e cada uma delas quando
se entregou à certeza de sua vitória. Os ponteiros do relógio giram,
frenéticamente, de frente pra trás. Dor, desespero, mais e mais fortes caem os
raios, então, de repente, uma chuva de sangue começa. Ele está morto.
Às portas
do Inferno vós podeis ler “Abandonai toda esperança, ó vós que entrais!”. Aprendei
vós com isto e esperais, mas esperais vigilantes, guardai o alento tranquilo
para encher os pulmões, a boca livre para gritar, os braços e punhos soltos para
lutar e os olhos... os olhos vós mantende abertos, atentos e espertos. Nenhum inimigo
vos poderá afligir se a Luz habitar nos salões de vossos olhos vigilantes e de
vosso coração esperançoso. Esperança não é certeza, certeza é ilusão da mente,
esperança é força da alma.
Quando
eu abri os olhos, o relógio me disse “Retrocede”, era dia e ele voltou a andar
para a frente.