sábado, 16 de março de 2013

A esperança diabólica



Falta muito pouco... O denso véu de nuvens escuras já há muito cobriu o sol. Não se sabe quando ele se pôs, apenas que a escuridão se abate sobre a face do mundo. A respiração, ofegante, se prende depois do mais longo e agoniante suspiro. Os punhos doem pela pressão com que estão cerrados. Os lábios sangram, mordidos com força. Os braços, cruzados, rijos, tremem angustiados. Como portões de ferro, as pálpebras subitamente se fecham. Trovões como tambores de guerra. A certeza já bate às portas. Falta muito pouco... falta um único segundo... menos, um instante! Então, sem qualquer justificativa, o relógio começa a retroceder.
A estrada parecia clara até aqui, o aglomerado de venturas e desventuras fez dos retalhos unidos uma belíssima cena. Agora, tudo parece estar do avesso. O cheiro do medo impregna o ar, o caos ri, estrondosamente, da confusão que impera. O relógio da torre de marfim bate a vigésima quinta hora. É uma ciranda louca e sinistra, um carrossel de animais mórbidos e macabros. Milhares de vozes demoníacas se levantam num coro diabólico e desarmonioso. As horrendas mensagens são ofensas sarcásticas, súplicas desesperadas em meio a urros de dor e prazer. O relógio bate três vezes.
Uma tropa abominável caminha, com fogo nos olhos e facas nas mãos. A sua marcha é o cortejo que conduz o prisioneiro ao carrasco. Sua juíza e também executora será a esperança, porque ele fez dela uma cega débil. Gritos e gargalhadas cortantes de vingança. O relógio bate, ensurdecedor, sem parar. A comitiva implora por sangue, eles desejam que os corvos arranquem os olhos de suas órbitas já que eles não foram usados para ver o óbvio. Os soldados, imundos, cantam: querem dilacerar os braços, que se mantiveram cruzados, querem queimar os pulmões que se fizeram inertes. Esperança deseja justiça.
Agora, acorrentado à roda de seu próprio destino, o prisioneiro nada pode fazer senão entregar-se aos ditames de sua condenação. Esperança não se carrega enclausurada na certeza da mente, pelo contrário, se alimenta na liberdade do coração para que seja forte e poderosa e não fria e sedenta de vingança. Ele não tem direito a nenhuma última vontade, pois negou todas e cada uma delas quando se entregou à certeza de sua vitória. Os ponteiros do relógio giram, frenéticamente, de frente pra trás. Dor, desespero, mais e mais fortes caem os raios, então, de repente, uma chuva de sangue começa. Ele está morto.
Às portas do Inferno vós podeis ler “Abandonai toda esperança, ó vós que entrais!”. Aprendei vós com isto e esperais, mas esperais vigilantes, guardai o alento tranquilo para encher os pulmões, a boca livre para gritar, os braços e punhos soltos para lutar e os olhos... os olhos vós mantende abertos, atentos e espertos. Nenhum inimigo vos poderá afligir se a Luz habitar nos salões de vossos olhos vigilantes e de vosso coração esperançoso. Esperança não é certeza, certeza é ilusão da mente, esperança é força da alma.

Quando eu abri os olhos, o relógio me disse “Retrocede”, era dia e ele voltou a andar para a frente.

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