segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Estiagem


Sereno, contemplo a aridez. Ar poeirento. Terreno arenoso. Ramas secas, mortas, quebradiças como pele desidratada. A sensação grosseira do toque rude da pele seca passa cortante pela garganta sedenta. Gosto de sangue na boca rachada, cortada de sol. Ar que não rende. Ar que queima. Ar que dá falta de ar. Passos torturantes que buscam encontram só esterilidade. Tudo que não está morto está esperando a morte. Aves carniceiras espreitam no céu. Entregue, sem meios, cai o corpo de encontro ao chão do deserto. Sede.
A calma invade. O resto já foi, tragado pela seca. Tanto quanto a ansiedade, a calma não pensa, age sem saber. As mãos vão aos bolsos, quentes, mas protegidos do sol. No bolso da calma, uma semente. Que ironia: uma semente vermelha, grande, forte e vistosa, uma semente dentro do bolso da calma, no meio do deserto.
O grão duro não pode ser mastigado pela boca fraca e faminta. Não pode sequer ser espremido pelas mãos débeis para tirar dele algum líquido. Semente, no deserto, vale o mesmo que pedra. Jogada fora, do bolso da calma para o solo infértil. Jogada longe, com as últimas forças dos braços irados. Se é pra morrer na seca, que seja com o sangue fervendo.
Semente da salvação, cai na terra fazendo milagre. Cai na terra plantada como ventania, pra se colher tempestade. De repente, vem o vento e chicoteia o corpo caído. Antes de morrer, ele há de testemunhar o seu milagre. Acorda! Acorda da calma e sente a dor das chibatadas de areia na ventania! O sol não queima mais porque as nuvens escuras cobriram seu rosto brilhante, cobriram o azul do céu e ele já não pode ser visto. As nuvens cegaram o mundo.
O meio-dia está magnificamente escuro. O poder da semente confundiu o tempo e as nuvens carregadas criaram noite no deserto. A semente vistosa se prepara para receber o que lhe convém. O corpo, dilacerado pelo calor, pela sede e pela areia sangra com os olhos secos sem poder chorar. Então ri. Ri estrondosamente porque a loucura tomou lugar da serenidade contida e da calma inerte. E os risos soam como desafio às nuvens que invocam seus relâmpagos e raios terríveis e estrondosos.
Caem sem ter o que destruir, pois o sol queimou tudo antes deles. Ameaçadores, desenham na cortina negra do céu  as runas da sua força. A semente sorri e aguarda. O corpo está prestes a desfalecer. Então, em meio aos rugidos do vento e dos relâmpagos e da noite das nuvens negras, os cortes do corpo recebem as gotas grossas e fartas de chuva. Gordas, caem como pequenas pedras, pesadas sobre a pele sofrida. São o bálsamo ardoroso nas feridas do tempo. O orgulhoso sol caiu, a noite da tempestade se levanta.
A água refrescante é seu sangue, o vento forte é seu alento, as nuvens negras são seu corpo, o relâmpago é seu olhar e o trovão é sua palavra. “À batalha! À batalha que traz vida ao deserto!” Pois sua semente floresceu e frutificou numa árvore de frutos tais quais não há em nenhum Éden. Pois esse é o tempo do novo Éden, é o tempo do forte colher.
Há muito tempo não chovia...

Maximiliam

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Ana Cláudia disse...

Nossa, Max, li e fiquie achadno que era de algum livro, como Vidas Secas, mas não recordava. É seu o texto? Fantástico, não parei de ler um segundo, belíssimo...