Estamos nos
acostumando a olhar somente pelas janelas virtuais: não observamos o mundo a
nossa volta com a devida atenção porque, através da janela mágica de nossos
computadores, sofremos da ilusão coletiva de que estamos olhando por todas as janelas
de uma só vez.
Ontem à
noite, olhei pela janela da sala e percebi, pela primeira vez, quão gigantesco
é o prédio que se ergue, solitário, há duas quadras daqui. De onde a vista
alcança, contei 27 andares. Cada qual com suas varandas, suas charmosas luzes
acesas, seus moradores que provavelmente estão olhando os smartphones, lendo
notícias em seus tablets, assistindo séries e reportagens pelas suas janelas
HD. Cada apartamento, iluminado, à meia luz ou mesmo escurecido, tem pessoas,
moradores com histórias individuais. Cada janela, uma história ignorada.
Acordei na
madrugada. Olhei as horas no celular: cinco. Percebi uma escuridão além do
habitual no quarto. As pequenas luzes dos aparelhos eletrônicos não estavam
acesas. Faltava energia elétrica. De repente, um estouro. Um transformador
explodiu em algum lugar da redondeza. Está se tornando habitual. Minutos
depois, outro estouro. Em seguida, mais um. Voltei a dormir em meio aos sons
dos canhões da modernidade.
Até agora a
energia não voltou. São quase oito horas e acabo de ouvir um novo estouro. É um
sentimento estranho, uma sensação diferente. Parece que, sem poder olhar por
nossas janelas mágicas, todas as outras janelas deixam de existir. Um certo
torpor, como se ainda não estivesse desperto de fato. Pego papel na gaveta e
uma caneta preferida e começo a escrever.
Olho pela
janela da sala e o cruzamento não parece tão caótico quanto imaginava com o
semáforo desligado, um pouco descoordenados, tal qual dançarino sem ritmo, os
carros continuam sua dança. Pais chegam para trazer as crianças a pré-escola em
frente. Com suas pequenas mochilas e guarda-chuvas abertos, eles aguardam
alguns minutos, mas logo vão embora: não podem acolher as crianças já que não
há previsão da volta da energia. O prédio, tão atraente da noite anterior, já
sem o glamour das luzes, permanece indiferente à chuva, ao vento ou às
preocupações dos moradores.
O bairro
repleto de casinhas antigas, cresceu muito nos últimos anos. Fincaram por toda
parte torres enormes, em meio às muitas vilas habitadas pelos senhores e
senhoras, imigrantes de uma época que já não existe. A rede elétrica não
comporta o progresso. Vemos transformadores estourando de tempos em tempos. O
trânsito é ruim porque há carros demais, os mercados estão sempre cheios porque
há consumidores demais, as escolas não têm vagas porque há alunos demais.
Amontoamos pessoas em prédios de 30 andares, como se casas na vertical pudessem
suprir todas as necessidades das pessoas por espaço. A estrutura precisa ser
verticalizada na mesma proporção das moradias.
Quando foi
que isso aconteceu? Acho que estávamos muito ocupados para ver o mundo mudando
da nossa própria janela e preferimos ficar olhando dessa “janela de ninguém”. A
energia voltou. Melhor ligar logo o computador e passar à limpo esse texto:
onde já se viu, hoje em dia, escrever com papel e caneta?
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