sexta-feira, 13 de julho de 2012

Barquinhos de Gelo e Fogo


Ouvi uma lenda sobre pequenos barquinhos mágicos correndo pelo rio da vida. Leves, velozes e sorrateiros, eles são enviados pelo Destino e vem para nos levarem aonde realmente desejamos ir. Segundo a lenda, cada pessoa só verá passar três deles e, dado que uma vez em movimento eles nunca podem ser parados, para conseguir embarcar precisamos estar preparados para saltar quando os avistarmos. Muito embora eu não acredite na lenda, talvez não haja no mundo mágica mais verdadeira.
O domingo extremamente frio da última semana veio acompanhado de um adeus. Não foi o adeus de alguém que eu tenha conhecido, nem de alguém por quem eu nutria algum sentimento ou admiração, foi o adeus de um estranho. Mesmo assim, a tristeza ao meu redor trouxe à tona memórias saudosas daqueles amados que partiram. Enquanto as nuvens cinzentas e a chuva fina esfriavam mais o dia do lado de fora, a melancolia fazia gelar o coração: apesar de tudo, temos que continuar. Desapego é o nome do primeiro barquinho.
Desapego é feito de gelo, o mesmo gelo da neve das montanhas do inverno. É frio e melancólico, mas pode tornar qualquer cenário absolutamente fantástico. É um barco muito pequeno, por isso para poder saltar dentro dele precisamos abandonar todas as cargas inúteis que tenhamos acumulado pela jornada. O gelo é efêmero, portanto Desapego não pode nos levar muito longe. Seu destino final serão os domínios da Solidão e é lá que podemos nos reencontrar com nós mesmos antes de seguir viagem.
A mudança nunca é fácil, seja lá para quem for. É impressionante como a gente muitas vezes se prende a situações desagradáveis e dolorosas só por não ter coragem de mudar. Pessoas muito queridas têm tomado decisões difíceis nos últimos tempos e o mundo precisa de pessoas assim. É muito mais fácil ter o conformismo com um mundo longe do ideal do que sustentar o ideal para mudá-lo. Com um passo de cada vez se vai longe, como tenho me esforçado para lembrar sempre. Primeiro arrumar o quarto, depois aprender a dançar e por fim, mudar o mundo. O segundo barquinho chama-se Ousadia.
Muitas vezes os homens verão com assombro a passagem do segundo barco, pois a intensidade do brilho do fogo do qual ele é feito será fascinante e ao mesmo tempo aterradora. O calor habita nessa embarcação e ela traz todo o conforto assim como as areias brancas das mais belas praias. Haverá nele a força tanto para destruir como para moldar os mais diversos obstáculos do caminho tornando o percurso à frente mais suave. Não há leme que o conduza se o próprio barco e seu comandante não se tornarem um só e isso torna cada uma de suas viagens uma aventura perigosa. Somente o ardor de Ousadia conduzirá pelos domínios da Ação e fará da busca pela felicidade um encontro real.
O terceiro barquinho é o mais misterioso de todos. Ele não pode ser visto nem ouvido, apenas sentido. Talvez seja esse o motivo de praticamente ninguém conseguir saltar sobre ele quando está de passagem: a maior parte das pessoas só tem olhos pra ver e ouvidos pra ouvir. Esse barquinho não tem nome porque até hoje nem sábio nem poeta puderam encontrar palavra suficientemente adequada para descrevê-lo. Dentre os três, ainda quem sem imagem, é o mais belo e ainda que sem forma, é o mais acolhedor. Cada uma de suas viagens é diferente, pois cada pessoa é diferente em suas jornadas. Ele pode chegar a qualquer domínio, mas há uma condição: somente será seu ocupante aquele que conhecer os domínios da Solidão e da Ação tendo embarcado no Desapego e no Ousadia. Certamente que essa pode ser a viagem mais interessante de todas.
Ainda assim, como disse no começo, não acredito na lenda. Não pelo absurdo de um barco de gelo, outro de fogo e um terceiro barco completamente etéreo. Nem é pelos domínios míticos através dos quais eles navegam que eu não acredito. Eu não acredito na lenda simplesmente porque, outro dia mesmo, tendo perdido todos os outros três, peguei um quarto barquinho. Qual a credibilidade de uma lenda se eles nem sabem ao certo quantos barquinhos são?

Max

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