domingo, 15 de maio de 2011

Os chefes falcões e seus pratos de ratazanas ao molho de sangue


Um instante é único, por isso cada instante tem valor inestimável e beleza indiscutível. Quantos ratos há no mundo? Centenas de milhões, bilhões, talvez trilhões... Não faço idéia, mas gosto de supor que existe ao menos um para cada instante de tempo. Escondidos sob as ruas sujas, alimentando-se da fartura rejeitada pelo mesmo mundo que os rejeita, totalmente fugidios, os ratos correm, a passos curtos, por longas distâncias escusas. O mundo não deseja mais lidar com ratos, mas eles continuam a se multiplicar, na mesma proporção dos esforços para erradicá-los.
No alto voa o falcão. Sempre o admirei por sua visão aguçada, sua imponência, seu vôo equilibrado, livre e veloz, entretanto, ainda há pouco, eu desconsiderava a relação dele com suas prezas. Habilmente ele as caça, agarra e consome suas vidas alimentando-se delas. Ignorar isso é desprezar parte essencial do que essa ave também representa: firmeza, força e poder.
Mesmo em cidades ou campos infestados de ratazanas é necessária astúcia para que o falcão as apanhe. Gosto de me questionar sobre quantos banquetes ele perderia, quantas ratazanas fartas ele deixaria escapar, quanta fome e quanto sofrimento ele infringiria a si mesmo se desprezasse sua natureza de senhor dos ares. Sair do ninho, deixar o aconchego, o conforto e a segurança pela busca daquilo que é melhor, mesmo que longínquo e desconhecido. No fim, o desapego é fruto da coragem.
Então o falcão destemido apanha um belo prato de ratazanas. Ele dividirá sua conquista? Há escolhas a fazer, há que decidir quem é verdadeiramente merecedor das recompensas pelos esforços do vôo, da caça e do molho, de próprio sangue, que rega o banquete. A maioria dos outros não é. Talvez por isso os falcões, em geral, sejam territorialistas e defendam com tanto afinco aquilo que lhes é caro, quer sejam os domínios que conquistaram, quer sejam os seletos membros de seu ninho.
Receio ter de decepcionar alguns e esclarecer que a história de que as primas dos falcões, as águias, passam por um processo doloroso de renovação para poderem sobreviver não passa de uma lenda, bonita, mas, ainda assim, somente uma lenda. A realidade é definitivamente mais difícil e, talvez por isso, mais intensa e mais bela. As aves de rapina não renovam sua existência, as águias e os falcões vivem o tempo que a natureza lhes permite viver com suas asas e seus bicos definhando na medida em que passa o tempo. Cada rato, gordo ou magro, suculento ou repugnante, deve ser saboreado como único que é, pois nunca se sabe se o falcão poderá fazê-lo por ainda mais um dia.
Creio que na velhice pouco importará o sabor dos ratos ou mesmo a satisfação momentânea dos estômagos cheios. Acredito, sinceramente, que os falcões mais felizes serão aqueles que poderão recordar-se do vento na face durante os vôos mais rápidos e mais altos, da sensação de firmeza das garras que capturam as prezas, da dor de cada derrota mesclada ao prazer de cada caçada bem sucedida.
Parece bobagem divagar sobre a felicidade dos falcões, pois eles são apenas aves e é pouco provável que possam se alegrar por terem sido senhores em suas vidas, mas nós, que somos homens, podemos. O mundo seria mais fascinante se houvesse também um falcão para cada homem...

Max

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Vitor disse...

Nada que um bom Chef com as técnicas certas não possa fazer com o que se tem pra chegar em um bom prato, "não é mesmo"?