sábado, 4 de dezembro de 2010

O bater das asas

– Dedico esse texto a todos os meus leitores, aos meus amigos, a um Tio sábio, a todos os anônimos de bom coração e, acima de tudo, àqueles inconformados que não desistem de sonhar.

Preciso começar explicando a grande diferença que existe entre estar satisfeito e estar conformado. A satisfação é a verdadeira felicidade, é o perceber-se completo por dentro, independente do que exista no exterior. Tal é o poder desse sentimento que cada coisa, por mais insignificante que possa parecer aos olhos dos passantes, se torna, a nosso ver, incrivelmente extraordinária. Assim, transbordando de profunda gratidão, queremos, mais do que qualquer outra coisa, compartilhar esse estado de êxtase com o mundo a nossa volta. Não obstante, podemos ser levados à ilusão de uma falsa felicidade que se mostra na forma do conformismo, nesse estado nada temos para compartilhar além de nossa própria inércia e, portanto, o conformismo é a mais egoísta de todas as “não ações”. Conformar-se paralisa a vida e a vida conformada é outro nome daquela a quem chamam morte.
Outro dia, ouvi a trajetória dos Triunfantes comparada à vida de uma borboleta. Depois de muito refletir, eu percebi que há mais beleza nessa comparação do que olhos nem tão perspicazes como os meus tem a capacidade de notar. Assim, resolvi recontar a história de uma borboleta, para, ao meu modo, compartilhar o que julgo ter aprendido. Tudo começa num ovo, estranho, grudado em algum lugar. Quando chega o tempo, sai de lá um ser esquisito, para muitos humanos, repugnante. Normalmente ele tem cores atrativas e, justamente por isso, é um alvo muito mais fácil para os predadores. Ela, que chamamos lagarta, se locomove devagar, rastejando, sem poder ir muito longe ou sem enxergar muito à frente. O instinto de sobrevivência lhe impõe a fome, insaciável e dominadora.
Quantas vezes, por qualquer que seja o motivo, não somos como a lagarta, rastejando em busca de algo que nunca nos satisfaz? O desejo diminui nossa capacidade de raciocinar e acabamos seguindo, sem rumo, sem dar importância a mais nada além de nós mesmos e aquilo que queremos. Hoje, enquanto passava por uma famosa avenida, vi uma senhora sentada na calçada, suja, descalça, parecendo faminta e, desesperada, ela pedia dinheiro para os que passavam. Veio então uma outra mulher, bem vestida, acompanhada de um casal de crianças, agachou-se para olhar nos olhos daquela pedinte e perguntou qual era o seu nome. Não pude ouvir a resposta, só o que ouvi foi o que disse a mulher em seguida: “Olha, a senhora deve estar com fome, não tenho muito pra lhe dar, mas espero que isso lhe satisfaça um pouco” e, abrindo a bolsa, retirou de lá uma maçã e entregou à senhora na calçada. Essa, por sua vez, sem soltar a maçã, segurou as mãos da mulher entre as suas e disse-lhe, com lágrimas nos olhos “Senhora, muito obrigada! Deus lhe pague!”. A mulher sorriu, apertou as mãos da outra e lançou um olhar amoroso para as crianças que aguardavam ao lado. Levantou-se e continuou andando com as crianças enquanto lhes dizia “A gente tem sempre que dividir com quem não tem...”. A avenida estava presunçosamente enfeitada para o Natal, mas, naqueles instantes, estou certo de que não houve maior beleza do que a da cena que acabo de descrever.
Apesar do desejo das crianças em continuar seu passeio e, talvez, até mesmo em detrimento da pressa, essa mulher parou, simplesmente para tentar compartilhar sua felicidade, oferecendo satisfação, desejando mudar. Nossa lagarta, em algum momento, também se sente satisfeita, então, ela isola-se, imobiliza-se, enclausura-se. Seu casulo é o símbolo do desconhecido, pois ela abdica de tudo o que está ao seu redor, da luz, da segurança, do prazer de só fartar-se de comida, e, tudo isso, sem sequer imaginar o que virá pela frente.
Nós, para os quais a vida de uma borboleta é efêmera, sabemos o que acontece depois: ela adquire asas. Já tive o privilégio de ver, por horas a fio, uma borboleta sair de seu casulo e se preparar para seu primeiro vôo. Ela demora muito para conseguir tirar seu novo corpo dali, em seguida, precisa acostumar-se com a luz, precisa secar-se dos fluidos nos quais estava mergulhada. Só então, depois de muito tempo, ela parte, não somente plena em graça, mas em liberdade, para trazer mais beleza ao mundo, seja pela polinização das flores, seja pelo próprio fato dela existir. Nada mais lhe importa, não porque está cega pelo desejo como estava quando era uma lagarta, mas porque ela tem absolutamente tudo aquilo que sua frágil vida pode lhe oferecer.
Deixar de rastejar cegamente movido pelo desejo, enfrentar o medo e entregar-se ao desconhecido, abdicando da segurança e do prazer, simplesmente por desejar uma mudança, isso é a jornada de cada um de nós. Possamos sonhar, a cada segundo, com o dia em que teremos asas, o dia em que seremos livres. Só assim seremos desejosos de mudança e poderemos criar, através de ações, belezas maiores do que quaisquer enfeites que há no mundo, belezas contidas na essência. Sejamos todos, mesmo que satisfeitos, eternos inconformados.

Max

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Anônimo disse...

Ótimo post.

Desistir de sonhar é se conformar, mesmo.