segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Sonhos de pó e amor perfeito

Outro dia alguém me disse que queria sumir, “como pó”. E eu lhe respondi que o pó não some, só voa. Tudo é pó, nós viemos do pó, somos só um pouco de pó que está junto por um tempo e com um único e grandioso objetivo: viver. Eu, quando acabar, quero voltar ao pó, virar pó e sair voando por aí, completamente livre, sem receio, sem preocupação, sem consciência, sem peso nenhum pra carregar. Imagine só, leveza absoluta! O pó é a forma concreta da leveza e, infelizmente, a gente se esquece dessa nossa origem, se esquece de levar a vida leve, se esquece de viver cada dia como um sonho, único e passageiro.
Quando vou para o trabalho de manhã, procuro olhar em volta para refletir sobre o que o caminho de casa até o ponto de ônibus pode me mostrar. Passo por um pequeno gramado que, de tanto passarem por ali, já formou uma trilha de terra batida e poeirenta. Reparei, nessa manhã, que na beira do caminho, em meio ao pó, florescia um único amor perfeito. Parei pra pensar no nome da flor. Repeti para mim mesmo algumas vezes “amor... perfeito... amor, perfeito... amor perfeito”. Então eu sorri, sorri aquele meu sorriso de sempre, despretensioso e quiçá ingênuo, sorri como criança que descobre algo novo e fantástico. Achei incrivelmente engraçado ter uma flor, tão simples, que crescia até no meio do pó, completamente ignorada, com o nome de “amor perfeito”. A gente fica com essa ideia fixa de que é tudo muito complexo, que é tudo muito pesado e não presta atenção na leveza! O amor perfeito é só isso: simplicidade e leveza.
A gente cria empecilhos até pra sonhar. Sonhamos só o que é racionalmente realizável. Veja só que tolice! Sonho, logicamente, não é pra ser, a princípio, realizável! Sonho é o alimento da felicidade de cada manhã, é parte mais importante do meu café da manhã (e dizem por aí que o café da manhã é a refeição mais importante do dia), o sonho é aquela loucura que me faz cantar sozinho no caminho pro trabalho ou na volta da feira. Sonho é pra ser absurdo a ponto de nos fazer criar coisas que, até então, eram inimagináveis, conquistar coisas que eram impensáveis, realizar nossas existências com uma alegria sem tamanho. Sonho é pra sonhar sem compromisso. Quando nós nos comprometemos a sonhar sem compromisso, tornamos a vida leve porque percebemos que os sonhos mais irreais são os que conduzem a mais concreta realização.
Eu aprendi tantas coisas pelas quais sou grato. Aprendi a viver a minha Verdadeira Vontade como regra e único limitante da vida. A vida não é pra ter limite além do limite da vida dos outros. Se cada um segue seu caminho, ninguém atrapalha o caminho de ninguém. Quando aprendi isso, muitos e muitos pesos se foram e, felizmente, muitas e muitas conquistas e experiências inacreditáveis vieram no lugar deles. Agradeço, a cada manhã, porque, apesar de acumular aprendizados, apesar de envelhecer a cada instante, todo dia aprendo a ser mais leve, a desapegar do desnecessário, a abdicar do sofrimento e a juntar o que realmente importa no coração. No fim, vai tudo virar pó, só vai sobrar o que couber no coração.

Bons sonhos!

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Viva a Consciência!

Consciência. Essa é a palavra que descreve a minha Fé hoje. Já há muito deixei de acreditar que há um Destino acorrentando os homens a uma sentença de vida. Não acredito mais na Verdade absoluta. Não acredito mais que existam o certo e o errado, o mal e o bem, o belo e o feio, senão e tão unicamente pela visão, pessoal e intransferível, de cada um. Só minha Consciência, sagrada e inviolável, pode me dizer o que é a minha própria Verdade. Aquele que não age de acordo com a sua própria Verdade pode enganar o mundo, mas não pode enganar a si mesmo, não pode fugir da sua Consciência e, por isso, não passa senão de um escravo. Se hoje eu estou publicando um texto diferente da maioria que já escrevi, é porque eu vivo de acordo com a minha Consciência, é porque eu acredito na minha Verdade, é porque eu creio que devemos ser livres, é porque eu sei que “os escravos servirão”.
Não costumo me manifestar sobre questões políticas. É difícil conversar sobre política já que, geralmente, visões incongruentes e a nossa falta de prática no debate acabam transformando diálogos entre amigos em discussões excessivamente acaloradas. Não gosto disso. Mesmo assim, não pude ignorar o que vi e ouvi hoje. Por isso mesmo eu escrevo, porque quando escrevo é a minha Verdade quem fala e a minha Verdade, pautada pela minha Consciência, não pede aplausos, não pede apoio e, principalmente, não deve respostas ou satisfações a nada nem a ninguém.
Parece-me óbvio perceber que as manifestações que acontecem em diversos lugares do País são fruto de muito mais do que uma reivindicação pela redução do valor das passagens do transporte coletivo: elas são fruto de uma esperança de Liberdade, de uma tomada de Consciência. Andando pelas ruas, observamos inúmeros problemas que precisam de solução. Talvez alguns julguem que essa é uma causa “banal” em relação a tantas coisas terríveis que se vêem por aí. Eu poderia desconsiderar a diferença que esse aumento faz no meu parco salário de professor e concordar, mas tenho o cuidado de lembrar que é por desconsiderarmos as “banalidades” que somos levados a cometer os maiores erros ou perder as melhores oportunidades nas nossas vidas. Esperar por uma “causa perfeita” para lutar pode parecer muito saudável agora, na juventude da Consciência, mas é possível que, até que esse dia chegue, os olhos estejam cegos, os ouvidos surdos e as Liberdades completamente tomadas.
A libertação pode não parecer bonita para todos, mas a mim parece. Apesar de todas as cenas trágicas, eu vejo uma grande beleza no que aconteceu neste dia: lembra um despertar, parece um abrir de olhos, um nascimento, tão sutil e comovente como qualquer outro. Hoje, consigo ver pessoas, outrora completamente inertes, perceberam o som de sua própria voz e a força de suas próprias palavras. Vi muitos reconhecerem a importância de si mesmos na sociedade e repensarem sua conduta com relação àquilo que traz benefícios a todos em detrimento de seu egoísmo. Entendi, eu mesmo, que devemos dispor de todos os meios que possuímos para propagar essa onda a todos os setores, todas as instituições e todas as pessoas para que também outras causas façam, em breve, parte da realidade de cada um.

Essa é a minha Verdade. Ninguém deve abraçá-la por ser minha, mas espero que essas palavras façam com que cada pessoa reconheça e viva sua própria Verdade, no seu trabalho, na sua família, no seu protesto, na sua pequena revolução interior. Tenho Fé na Liberdade. Consciência é Liberdade, Liberdade é Poder.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Nosso próprio tempo

Para o Rafa.

Marquei de encontrá-lo na entrada da estação de metrô às nove horas para pegar carona. Estava bem cedo quando terminei de me aprontar, me programei para que o tempo disponível fosse suficiente com folga: o trajeto demoraria, normalmente, em torno de vinte minutos, estava saindo com cinquenta de antecedência. Os ônibus passavam com intervalos curtos, certamente daria tempo. Terminei de conferir as coisas na mochila. Fechei. Saí tranqüilo de casa. Era uma bela manhã de segunda-feira, o sol prometia um início de semana agradabilíssimo. Enquanto caminhava calmamente, prestava atenção aos pássaros, às pessoas, aos desenhos das sombras das árvores nas calçadas. Ainda lembro-me da linda cena do símbolo do infinito que a sombra de alguns galhos formava, logo acima do batente de uma porta. Me fez pensar que “temos todo o tempo do mundo”.
Um homem e seu cachorro passeavam, mas não reparei muito bem no cachorro, lembro apenas que era um cachorro engraçado. Na esquina, olhei para os dois lados e vi que vinha um carro. Apertei o passo para atravessar a rua. O ponto de ônibus fica na quadra, na esquina. De longe, vi que um ônibus passou pelo ponto. Perguntei-me se poderia ser algum daqueles que vão em direção a estação, mas não importava: ele já havia passado. E se fosse aquele fosse o ônibus que eu deveria tomar e fosse demorar a passar outro?
Acelerei a caminhada em direção ao ponto. Cheguei e nem sinal de ônibus. Esperei “uma eternidade”. Quase meio minuto depois de chegar ao ponto, vem vindo um ônibus que ia em direção à estação. Até que enfim! Dei sinal. O ônibus parou. Todas as pessoas que esperavam se aglomeraram em frente à porta. Entrei por último. Mesmo sendo o último, procurei apressado, o dinheiro da passagem para pagar e passar logo pela catraca. O ônibus estava cheio. Não tinha nenhum lugar vago para sentar. Não consigo ficar parado. “Por que tanto trânsito hoje?”. “Esse motorista está de brincadeira com as pessoas!”. “Os ônibus demoram tanto pra passar que a gente nunca chega no horário”. Para não perder tempo, já me posicionei próximo à porta de saída. Quando o ônibus parou na estação, saltei rápido para plataforma e subi as escadas correndo. Por que do terminal de ônibus para a estação não são todas as escadas rolantes também?
Com passos largos e certeiros, fui desviando das pessoas pelo caminho. Uma trombada e um empurrão aqui e ali, alguns pedidos de desculpas pros homens ou mulheres pelos quais passei sem nem olhar no rosto. Enquanto ando, reviro a mochila em busca da carteira e a carteira em busca do bilhete. Achei. Logo estava atravessando as catracas. Ficar parado na escada rolante demoraria muito então desci correndo cinco degraus, mas havia pessoas na frente: tive de esperar pela acomodação alheia. O metrô estava de saída. Um pulo pra dentro do vagão enquanto tocava o sinal de fechar as portas. Só se ouviam reclamações: a lotação, a demora, o calor, a falta de conforto, a chuva. A voz do alto falante disse “Próxima estação...” e mentalmente eu completei a fras... Espere! Estava em choque...
... O que foi que eu fiz? Estava indo para a estação, mas não iria pegar o metrô, iria encontrar uma pessoa na própria estação! Perplexo, desci na estação seguinte para pegar o metrô no outro sentido, voltando para onde eu estava. Olhei no relógio e ainda não eram nem oito e meia, portanto eu estava mais de meia hora adiantado. Comecei a olhar em volta e só o que vi foram corpos robóticos, correndo como formigas alucinadas que curiosamente sabem para onde vão, em meio à desordem. Voltei enquanto via pessoas desrespeitando idosos e mães, completamente inseridas em suas conversas nos celulares, ignorando totalmente o que acontecia em torno delas.
Já de volta a estação, eu subi, tranqüilo, as escadas convencionais: curioso como a maioria vai pelas escadas rolantes abarrotadas para subir andando do mesmo jeito, enquanto as escadas convencionais ficam vazias. Caminhei, sossegado até o local onde deveria pegar carona, quando cheguei vi que ainda faltavam quase trinta minutos para o horário combinado. Mais do que perguntar o que ganhei correndo, me perguntei por que corri. Eu não conseguia responder.
Quanto mais meus olhos se abriam, mais estarrecido eu ficava. Era muito triste observar a agressividade latente, o olhar irado de uns para os outros. Esqueci a calma do início do dia? O canto dos pássaros, eu fiquei surdo a ele? Esforcei-me então para lembrar como era o cachorro engraçado. Não consegui. Todas as cenas depois daquela pareciam um turbilhão louco. Foi ali que a aceleração havia começado, ao atravessar a rua correndo. Como foi que nos tornamos isso? Senti vergonha. Quando foi que deixamos que essa “individualidade coletiva” nos isolasse tão completamente em nosso egoísmo até que, mesmo com centenas de milhares de pessoas a nossa volta, estivéssemos completamente sozinhos? Será que um dia conseguiremos manter os olhos abertos? Eu decidi tentar. Agora, sempre que começo a acelerar sem motivo, lembro do símbolo de infinito no batente da porta: temos todo o tempo do mundo.


Max.

sábado, 16 de março de 2013

A esperança diabólica



Falta muito pouco... O denso véu de nuvens escuras já há muito cobriu o sol. Não se sabe quando ele se pôs, apenas que a escuridão se abate sobre a face do mundo. A respiração, ofegante, se prende depois do mais longo e agoniante suspiro. Os punhos doem pela pressão com que estão cerrados. Os lábios sangram, mordidos com força. Os braços, cruzados, rijos, tremem angustiados. Como portões de ferro, as pálpebras subitamente se fecham. Trovões como tambores de guerra. A certeza já bate às portas. Falta muito pouco... falta um único segundo... menos, um instante! Então, sem qualquer justificativa, o relógio começa a retroceder.
A estrada parecia clara até aqui, o aglomerado de venturas e desventuras fez dos retalhos unidos uma belíssima cena. Agora, tudo parece estar do avesso. O cheiro do medo impregna o ar, o caos ri, estrondosamente, da confusão que impera. O relógio da torre de marfim bate a vigésima quinta hora. É uma ciranda louca e sinistra, um carrossel de animais mórbidos e macabros. Milhares de vozes demoníacas se levantam num coro diabólico e desarmonioso. As horrendas mensagens são ofensas sarcásticas, súplicas desesperadas em meio a urros de dor e prazer. O relógio bate três vezes.
Uma tropa abominável caminha, com fogo nos olhos e facas nas mãos. A sua marcha é o cortejo que conduz o prisioneiro ao carrasco. Sua juíza e também executora será a esperança, porque ele fez dela uma cega débil. Gritos e gargalhadas cortantes de vingança. O relógio bate, ensurdecedor, sem parar. A comitiva implora por sangue, eles desejam que os corvos arranquem os olhos de suas órbitas já que eles não foram usados para ver o óbvio. Os soldados, imundos, cantam: querem dilacerar os braços, que se mantiveram cruzados, querem queimar os pulmões que se fizeram inertes. Esperança deseja justiça.
Agora, acorrentado à roda de seu próprio destino, o prisioneiro nada pode fazer senão entregar-se aos ditames de sua condenação. Esperança não se carrega enclausurada na certeza da mente, pelo contrário, se alimenta na liberdade do coração para que seja forte e poderosa e não fria e sedenta de vingança. Ele não tem direito a nenhuma última vontade, pois negou todas e cada uma delas quando se entregou à certeza de sua vitória. Os ponteiros do relógio giram, frenéticamente, de frente pra trás. Dor, desespero, mais e mais fortes caem os raios, então, de repente, uma chuva de sangue começa. Ele está morto.
Às portas do Inferno vós podeis ler “Abandonai toda esperança, ó vós que entrais!”. Aprendei vós com isto e esperais, mas esperais vigilantes, guardai o alento tranquilo para encher os pulmões, a boca livre para gritar, os braços e punhos soltos para lutar e os olhos... os olhos vós mantende abertos, atentos e espertos. Nenhum inimigo vos poderá afligir se a Luz habitar nos salões de vossos olhos vigilantes e de vosso coração esperançoso. Esperança não é certeza, certeza é ilusão da mente, esperança é força da alma.

Quando eu abri os olhos, o relógio me disse “Retrocede”, era dia e ele voltou a andar para a frente.